Nesta exposição podemos fruir o trabalho que resultou do encontro da fotógrafa Luísa Ferreira com as esculturas de Rosalina Passos e Joaquim Passos armazenadas há cerca de cinquenta anos na vila algarvia de São Brás de Alportel. A sua lente sensível e poética captou o diálogo entre a luz e a presença matérica das esculturas impregnada do labor contínuo do tempo. A presença velada destes seres ecoando a eterna tensão entre o poder criativo da vida, a violência e o sofrimento, faz parte da tessitura deste lugar inscrita no imaginário local com um misto de medo, curiosidade e admiração, que é ainda hoje evocada por muitos. O título - À procura de um outro corpo – sublinha a importância da arte na construção da nossa percepção e por essa via na construção da realidade. É essa dimensão política da estética que explica a realização da exposição no ano em que o concelho comemora o seu centenário no contexto da crise civilizacional actual.
1 DE AGOSTO A 31 DE OUTUBRO
Produção e textos: Graça Passos
Luísa Ferreira, fotógrafa independente, vive e trabalha em Lisboa. Começou a fotografar profissionalmente na década de 1980 e tem exposto regularmente desde 1989. Integrou a equipa de fotojornalistas fundadores do jornal Público (1989-1996) e foi correspondente da agência de notícias Associated Press (1996-1998). O seu projecto Éter (<< Ether >>) é a Primeira Escolha dos Recorridos Fotográficos da ARCO de Madrid em 1998. Entre outros projectos integrou a exposição Au Féminin.Women Photographing Women 1849-2009, uma história das mulheres fotografas desde 1849 com curadoria de Jorge Calado, Centro Cultural Calouste Gulbenkian, Paris, 2009; integrou, no âmbito do Centenário da República, a exposição Res Publica 1910 e 2010 face a face, com curadoria de Helena de Freitas e Leonor Nazaré na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
www.luisaferreira.com
Joaquim Passos (1917-1980) cursou engenharia mecânica no Instituto Superior Técnico de Lisboa e estudou artes plásticas na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa e na Escola Superior de Belas Artes em Lausanne (Suíça). Para além da escultura interessava-se por pintura, desenho e música. Aos 21 anos o seu envolvimento no partido comunista fê-lo prisioneiro da PIDE acabando por enlouquecer na sequência da tortura a que foi sujeito em 1938. Na expectativa de encontrar soluções para o seu estado de saúde foi submetido a uma lobotomia, a grande descoberta da medicina de então. A pulsão de criação, que o acompanhou toda a vida, foi arrasada por estas experiências extremas impossibilitando-o de dar continuidade à sua obra.
Rosalina Passos (1880-1958) descobriu no barro a possibilidade de aceder a outros mundos longe do confinamento da vida doméstica. A descoberta fortuita do prazer de modelar levou-a à criação frenética das figuras que foram povoando as salas viradas para a igreja matriz , na casa onde então vivia. Acabada a missa ou a catequese as pessoas eram acolhidas para olhar de perto os vultos vislumbrados do adro a que se juntavam, no natal, as figuras do presépio em tamanho natural executadas com barro grosseiro e cru. Filha de um jornalista sambransense, casada com o farmacêutico Virgílio Passos, um republicano muito envolvido no processo de criação do concelho, tinha três irmãos – Bernardo, Boaventura e Virgínia - que se dedicaram à poesia, literatura e pintura desenvolvendo uma actividade, também ligada á politica, que se destacava nessa época.
Por Museu de São Brás