André Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.comAndré Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.com

O recente acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado pelos Estados Unidos, Egito, Catar e Turquia, representa um passo significativo para a pacificação da Faixa de Gaza após dois anos de guerra, na sequência dos atentados de 7 de Outubro de 2023, perpetrados pelo Hamas, que causaram cerca de 1200 vítimas israelitas e o sequestro de 251 reféns. Embora traga esperança, a sua capacidade de conduzir a uma paz duradoura está longe de garantida, devido a uma série de obstáculos complexos. O plano, com 20 pontos, prevê cessar-fogo imediato, retirada parcial das tropas israelitas para uma “linha amarela” dentro de Gaza, libertação de reféns israelitas (foram libertados 20 reféns vivos) em troca de cerca de 2.000 prisioneiros palestinianos, entrada de ajuda humanitária em larga escala, desmilitarização da Faixa de Gaza e formação de um governo de transição tecnocrático, sem participação do Hamas. A supervisão será feita por forças internacionais com apoio da ONU.

Entre os principais obstáculos estão: (i) a falta de confiança mútua, com receios de que o cessar-fogo seja usado para rearmamento; (ii) o desarmamento do Hamas, que exige garantias de um Estado palestiniano soberano; (iii) a indefinição sobre a governação de Gaza; (iv) a oposição interna em Israel, especialmente da ala de extrema-direita; (5) a reconstrução de Gaza, estimada em mais de 50 mil milhões de dólares; e (v) a influência de atores externos como Irão, Hezbollah, EUA e Turquia, com interesses distintos. No melhor cenário, o plano será implementado gradualmente, com reconstrução de Gaza e negociações para uma solução de dois Estados. No pior, o acordo colapsa por violações mútuas, levando a novo ciclo de violência.

O conflito israelo-palestiniano é um dos mais prolongados da história contemporânea. Desde o final do século XIX, com o surgimento do movimento sionista, até à criação do Estado de Israel em 1948, a região tem sido palco de tensões. A partilha da Palestina proposta pela ONU em 1947 foi rejeitada pelos líderes árabes, levando à guerra e à expulsão de centenas de milhares de palestinianos (a Nakba). Em 1967, Israel ocupou a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza. Apesar de várias tentativas de paz, como os Acordos de Oslo (1993), a criação de um Estado palestiniano nunca se concretizou. As Intifadas (1987–1993 e 2000–2005) e a ascensão do Hamas em Gaza, em 2007, agravaram o conflito. A Faixa de Gaza vive sob bloqueio há mais de 15 anos, com crises humanitárias recorrentes. Para Israel, este conflito tornou-se existencial, porque o Hamas, tendo funcionado como uma proxy do Irão, tem como propósito estratégico destruir Israel.

O cessar-fogo entre Israel e o Hamas é um passo necessário, mas insuficiente para garantir uma paz duradoura. A resolução do conflito exige compromissos difíceis, lideranças dispostas ao diálogo e apoio internacional consistente. A paz não se constrói apenas com tratados, mas com mudanças estruturais e culturais profundas. A complexidade aumenta com as divisões internas do Hamas, composto por fações militares, políticas e religiosas em disputa pelo poder. Em momentos de crise, essas rivalidades tornam-se mais intensas, dificultando negociações. A relação do Hamas com Estados árabes vizinhos é tensa, especialmente com a Arábia Saudita e o Egito. O ataque de 7 de outubro de 2023 teve como pano de fundo a aproximação saudita a Israel, no âmbito dos Acordos de Abraão — uma dinâmica rejeitada pelo Hamas e pelo Irão, que disputam a hegemonia regional.