André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

O “Eurogroup Asia”, fundado por Ian Bremmer em 1998, apresenta anualmente um dos mais importantes relatórios sobre os riscos geopolíticos. Um olhar de síntese sobre o relatório deste ano, que acaba de ser publicado, alerta-nos para riscos de enorme amplitude e ondas de choque que poderão fazer de 2024 um “annus horribilis”, polarizado em torno de “três guerras. E quais são essas guerras?   A Rússia versus Ucrânia, agora no seu terceiro ano; Israel versus Hamas, agora no seu terceiro mês; e os “Estados Unidos contra si próprios”, pronta para começar a qualquer momento.

A “guerra Rússia-Ucrânia” está a agravar-se, sendo que a Ucrânia corre o risco de perder uma boa parte do interesse e apoio internacionais. Para os Estados Unidos poderá deixar de ser uma prioridade política, sobretudo se Trump vier a ganhar as eleições americanas, apesar das centenas de milhares de vítimas, de milhões de pessoas deslocadas e de um ódio assassino pelo regime russo partilhado por quase todos os ucranianos, que definirá a identidade nacional de dezenas de milhões de pessoas durante décadas. É uma situação que poderá provocar mais desespero por parte do governo ucraniano. Por sua vez, a Rússia de Putin permanece quase totalmente isolada do Ocidente. Um agravamento do conflito poderá mesmo conduzir a uma divisão da Ucrânia.

A “guerra Israel-Hamas” tende a piorar, não se vislumbrando o tempo e o modo de pôr fim aos combates e, qualquer que seja o resultado no campo de batalha, a radicalização poderá ser dramática:  dos judeus israelitas, sentindo-se globalmente isolados, ameaçados e por muitos odiados, após enfrentarem a pior violência contra eles desde o Holocausto; e, dos palestinianos que enfrentam o que consideram um genocídio, sem perspetivas de paz e de fuga. Porventura, poderão ocorrer profundas divisões políticas sobre o conflito e ocorrer uma escalada envolvendo todo o Médio Oriente e mais de mil milhões de pessoas no mundo muçulmano em geral, para não mencionar os EUA e a Europa.

Por fim, uma “guerra” que será o maior desafio em 2024 - os “Estados Unidos contra si próprios”. Apesar, de cerca de um terço da população mundial ir às urnas este ano, nenhuma outra eleição poderá ser mais disfuncional, e sem precedentes nos EUA, para a segurança, a estabilidade e as perspetivas económicas do mundo. O resultado “afetará o destino de 8 mil milhões de pessoas, e apenas 160 milhões de americanos terão uma palavra a dizer”, podendo até o vencedor ser decidido por escassas dezenas de milhares de eleitores num punhado de estados indecisos. Com elevada probabilidade, o lado perdedor – sejam Democratas ou Republicanos (sobretudo estes) – considerará o resultado ilegítimo e não estará preparado para aceitá-lo. O país mais poderoso do mundo enfrenta desafios críticos nas suas principais instituições políticas: eleições livres e justas, a transferência pacífica de poder e os pesos e contrapesos proporcionados pela separação de poderes. A situação política da União poderá tornar-se problemática. Consequentemente, poder-se-á caminhar para “um mundo sem liderança global”, onde “os Estados Unidos, a única superpotência remanescente no mundo, não querem ser o polícia do mundo, o arquitecto do comércio global ou o líder de um sistema de valores globais”. E nenhum outro país está preparado para assumir esse papel.