Por F. Inez

Aqui há talvez uns 20 anos atrás, quando o Dom Finório escrevia para a Voz de Loulé, um dia lembrou-se de brincar com a lentidão do transito automóvel na nossa bela Avenida José da Costa Mealha, bem… bela… talvez hoje em dia seja já, infelizmente, uma força de expressão, porque a sua beleza natural, como artéria de dimensão e traçado arrojados para a época em que viu a luz do dia, tem ao longo dos anos vindo a sofrer algum declínio… já que hoje está definitivamente (?) transformada num gigantesco parque de estacionamento com duas filas de automóveis em cada uma das suas faixas de rodagem… deixando um estreito espaço… autêntico funil… para a circulação das viaturas.

Mas dizia então, nessa época, o Dom Finório que quem quisesse descer a Avenida era melhor ir logo de véspera… já que no sentido descendente o trânsito era tão lento que enervava o mais pacato dos automobilistas. Bem, mas isso era o que já se passava há duas décadas atrás! Hoje, mesmo que se vá ao dicionário à procura de alguma palavra para descrever o que lá se passa… desconfio que não a vai encontrar! Mas o que se passa na Avenida é exatamente o mesmo que se passa na grande maioria das artérias da cidade! Artérias todas elas pejadas de automóveis de ambos os lados… e circulação cada vez mais difícil e cada vez mais lenta… e naturalmente mais perigosa! Consciente destas dificuldades, em particular do parqueamento… é cada vez mais difícil encontrar espaço para parquear as viaturas… a Edilidade tem procurado encontrar soluções de ordenamento com a criação de parques, haja em vista o Parque de Estacionamento Municipal na Rua José Afonso, o recente Parque da Cássima, para além de outros como o do Monumento Duarte Pacheco e o Parque junto ao Terminal Rodoviário.

Foi pena que o projeto do Parque Municipal não tivesse sido mais arrojado, prevendo mais alguns pisos, sobretudo quando das últimas obras de que foi alvo. Mas também outras medidas conquanto já limitativas da comodidade dos automobilistas… estão a ser tomadas, aumentando as zonas de estacionamento pago e criando uma “área vermelha” no centro da cidade … Praça da República e as duas primeiras placas da Avenida José da Costa Mealha, agora zonas de taxas agravadas e estacionamento limitado a um máximo de 2 horas.

Face a tudo isto … será que estamos a caminhar para uma situação de rotura da circulação automóvel nos centros urbanos? Não obstante as dificuldades crescentes, talvez estejamos ainda muito longe do fim da civilização do automóvel … o objeto simbólico que, para além do seu aspeto utilitário, confere visibilidade, distinção e poder.

Exerce um fascínio, objeto útil, mas também de ostentação e de autoestima, uma espécie de cartão de visita. Conquanto continue a ser objeto de prazer e de liberdade, vem começando progressivamente a esbarrar com dificuldades e limites que se afiguram intransponíveis, não só no aspeto ecológico pela emissão de gases com efeito de estufa, mas também de espaço, em particular nas horas de ponta … não só para circulação como para o estacionamento … naturalmente nos ambientes urbanos, de onde já começou a ser expulso, em particular nas zonas centrais das grandes cidades, para as devolver ao cidadão.

Para além dos inevitáveis acidentes de viação … que vitimaram em 2021 mais de 20 mil cidadãos na União Europeia, estima-se que nesta mesma União morram prematuramente cerca de 400 mil pessoas por ano devida à poluição atmosférica … não há bela sem senão! Por outro lado, diz-se que o excesso de automóveis em circulação se deve à enorme carência de transportes coletivos, por inação dos governos… mas será mesmo assim?

Tudo leva crer que esta aparente inação resulta objetivamente de não se querer perder o enorme quantitativo de impostos cobrados com os combustíveis. A política tem frequentemente razões que a razão desconhece.

Finalmente alguns estudos recentes sugerem que o automóvel começa a perder a sua importância para as novas gerações … haja em vista a enorme proliferação das trotinetes e também, conquanto um pouco menos, da bicicleta. Ainda hoje ninguém sabe qual virá a ser o futuro da fonte de energia do automóvel … eletricidade? … Hidrogénio? Gostaria de terminar com uma pergunta … qual será o destino dos milhões … biliões … triliões … de toneladas de sucata dos veículos com motores de combustão quando deixarem de circular?