João Eduardo Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Economia da UAlg, fez à agência Lusa uma primeira análise aos resultados eleitorais no distrito de Faro e considerou que, embora já se esperasse uma subida da representação do partido, “surpreendeu” a dimensão dessa subida, passando de terceira força em 2022 para o partido mais votado no Algarve.
“[A vitória do Chega] Parece evidenciar, na minha opinião, que o Chega acabou por catapultar a voz do descontentamento que existia aqui na região e que se manifestou desta forma neste ato eleitoral”, argumentou, sublinhando que é preciso uma análise mais detalhada aos dados eleitorais para perceber qual foi o peso do voto jovem nesta eleição.
Segundo o sociólogo, apesar de já se esperar “um forte crescimento do Chega no Algarve”, assim como à escala nacional, a expressão eleitoral que teve “não deixa de ser uma surpresa”, representando uma “vitória estrondosa” do partido liderado por André Ventura na região, que obteve 27% dos votos e três dos nove deputados eleitos.
O Chega alcançou uma “vitória com uma expressão fortíssima” na região, superando o PS, segundo classificado, com 25% e três deputados, menos dois do que em 2022, e a AD, que ficou na terceira posição, também com três eleitos, com 22% dos votos.
Mas o que os resultados mostram é que há, considerou o docente da UAlg, “um enorme descontentamento social com os partidos do arco do poder”, como o PS e o PSD.
“Aqui no Algarve o PS tem dominado nos últimos anos e há uma série de expectativas de vida da população que não foram satisfeitas. A saúde degradou-se a um ponto quase inimaginável, com a falta de médicos nos hospitais, com a urgência de Pediatria a fechar semana sim, semana não, a funcionar em Portimão numa semana, a funcionar em Faro noutra semana, e a Obstetrícia a mesma coisa”, observou.
Além de um serviço de saúde “muito degradado”, os algarvios têm-se deparado com “falta de professores, falta de respostas na habitação, o aumento do custo de vida associado ao disparar da inflação, salários baixos, precariedade e desemprego associado ao principal setor da atividade que é o turismo e três crises económicas brutais desde o início do século XXI”, exemplificou ainda o professor universitário.
A estes fatores juntou-se ainda, segundo João Eduardo Martins, “um certo autismo” do PS no Algarve, onde “não deu resposta às exigências das populações” em áreas como a Saúde ou as portagens da Via do Infante (A22).
“Há aqui um conjunto de insatisfações múltiplas que o Chega soube potencializar”, justificou, sublinhando que o partido liderado por André Ventura “substituiu os tradicionais partidos de protesto” como o BE e o PCP, que “deixaram de ocupar a rua no protesto” e “o Chega foi ocupando esse espaço”.
João Eduardo Martins considerou ainda que o PS acabou por ser penalizado como “grande partido de poder dos últimos anos” no Algarve.
“Nas últimas eleições, o mapa do Algarve estava todo pintado de cor-de-rosa e houve aqui um certo deslumbramento com o poder, no sentido de um certo nepotismo, inclusivamente, partidário, clientelar e até familiar. E isso também ajudou o Chega neste discurso de nós contra eles”, sustentou.
Esta situação permitiu ao Chega dizer que os restantes partidos “são sempre os mesmos, ocupam o poder há muitos anos, repartem o poder pelos seus e é preciso acabar com isso”, utilizando “um discurso antissistema”, que “é o discurso da extrema-direita à escala internacional”.
João Eduardo Martins destacou que o Chega, além de ganhar “todo o distrito”, ganha ainda em seis cidades – Olhão, Loulé, Albufeira, Lagoa, Silves e Portimão -, sendo que algumas delas são “das maiores cidades do Algarve”.
Lusa