Associação Portuguesa de Operadores de Gestão de Resíduos e Recicladores

Carla Santos é presidente da APOGER – Associação Portuguesa de Operadores de Gestão de Resíduos e Recicladores, cuja sede fica localizada em Vila Franca de Xira e a delegação no concelho de Loulé (Algarve). Nesta entrevista fala-nos do objetivo da associação e da importância da economia circular e da educação ambiental.

A Voz do Algarve (V.A.) – Fale-me um pouco do seu percurso profissional.

Carla Santos (C.S.) - Iniciei o meu percurso profissional em 1998, como formadora na área de projetos relacionados com educação ambiental. Em 2001, ingressei na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve - CCDR Algarve, como Vigilante da Natureza, integrando-me, posteriormente, como Técnica Superior na Direção de Serviços de Ambiente da CCDR Algarve, especializando-me na área de gestão de resíduos. Em 2014, decidi abraçar o sonho de criar a minha própria empresa de Consultoria Ambiental (Ekogest). Este ano fui convidada a encabeçar a lista para Presidente da Direção da APOGER.

 

V.A. - Como surge o convite para representar os Operadores de Gestão de Resíduos Nacionais na APOGER?

C.S. - Com a entrada em vigor do Novo Regime Jurídico da Gestão de Resíduos, que penaliza de forma contraordenacional e proíbe os particulares de entregarem os resíduos que produzem (quantidades inferiores a 1100 litros) a operadores de gestão de resíduos privados (fora dos sistemas municipalizados), a Ekogest com os “seus” Operadores de Gestão de Resíduos (OGR), liderou uma Ação Judicial contra essa obrigatoriedade. Outros OGR, pelo trabalho que foi desenvolvido, ficaram interessados em integrarem-se na Ação Judicial. Posteriormente, um representante de uma das maiores empresas de gestão de resíduos do país convidou-me para representar a APOGER, atendendo que a anterior Presidente da Direção queria cessar funções.

 

V.A. - Qual é o objetivo base da APOGER?

C.S. - O objetivo base da APOGER é orientar os seus associados na aplicação dos normativos legais vigentes e defender os seus direitos na sociedade.

 

V.A. - E que outros objetivos tem a associação?

C.S. - A atividade de gestão de resíduos representa o maior volume de negócios do sector ambiental, é significativa no apoio à Economia Circular e representa muitos postos de trabalho. A APOGER tem como objetivos principais promover ações de reflexão pública sobre a importância do sector da gestão de resíduos no país, em particular dos operadores de gestão de resíduos privados; promover ações de discussão pública sobra a adequação dos normativos legais no sector de gestão de resíduos no país e fomentar o envolvimento dos Associados no desenvolvimento de novas tecnologias.

 

V.A. - Qual é a ligação da APOGER aos empresários/players/ entidades e associações e de que forma é que a sua atividade é divulgada por vocês?

C.S. - A direção atual da APOGER ainda é muito recente. Encontramo-nos numa fase de aquisição e a “descobrir” formas de atuação. A ligação da APOGER com os associados é muito próxima, com vista a esclarecer quaisquer dúvidas no desenvolvimento da área profissional da gestão de resíduos. Queremos publicitar a APOGER através de qualquer canal viável que proporcione visibilidade, mas, mais do que tudo, a APOGER quer ser conhecida pelo apoio prestado ao sector e aos seus associados.

 

V.A. - Já se depararam com alguma resistência por parte de empresários em ouvir as vossas ideias? Conte-nos algum episódio, caso tenha acontecido.

C.S. - Ainda não tivemos uma situação delicada. Não obstante, acho que alguns empresários do sector da gestão de resíduos precisam de conhecer o que a APOGER poderá ser de mais valia na sua atividade.  A APOGER existe desde 2009 e a atual Direção pretende dar continuidade ao trabalho realizado com melhoria contínua de ações, designadamente o reconhecimento da importância do sector aos nossos políticos.  Penso que no percurso do nosso trabalho a APOGER “atrairá” mais associados.

 

V.A. - Como está dividida a APOGER? Quantas pessoas fazem parte?

C.S. - A APOGER tem nos seus órgãos sociais 9 elementos. Com exceção à Presidente da Direção, todos os elementos são operadores de gestão de resíduos e associados da APOGER. Na Assembleia Geral, a Presidente é a Paula Maltez (VIOLETA SAFIRA UNIPESSOAL, LDA), o 1.º Secretário é o Nuno Silva (OLSILVA; LDA) e o 2.º Secretário é o Filipe Frexes (MANUEL FREXES – GESTÃO DE RESÍDUOS, LDA). Na Direção, a Presidente sou eu, o vice-Presidente é o Paulo Lopes (RECICLAGEM VALORIZAÇÃO OUTEIRENSE, LDA), o tesoureiro é o Marco Santos (M.SANTOS – CENTRO DE RECICLAGEM DA AMADORA UNIPESSOAL, LDA.). No Conselho Fiscal, o Presidente é o Assis Silva (RENASXER UNIPESSOAL, LDA.), o 1.º Vogal é o Guilherme Palma (ECOFUTURO – GESTÃO E VALORIZAÇÃO DE RESÍDUOS, LDA.) e o 2.º Vogal é o João Paulo Dias (JOÃO MANUEL CARVALHO DIAS, LDA). A APOGER conta ainda com o apoio da Isilda Guerreiro, com formação na área da Gestão e Marketing.

V.A. - Que desafios enfrenta atualmente a APOGER no paradigma atual da economia?

C.S. - A APOGER enfrenta os desafios dos seus associados. A legislação atual do Regime Geral da Gestão de Resíduos (publicada em 2020) está direcionada para apostar nos sistemas municipais ou concessionados por estes. De forma geral, a legislação refere que quando a produção diária dos resíduos é inferior a 1100 litros/dia está proibida a sua entrega aos operadores de gestão de resíduos privados (perfil dos associados da APOGER), o que é “descabido” em termos económicos para o país, atendendo que, segundo as Estatísticas do Ambiente do INE, esta atividade tem o maior volume de faturação do sector ambiental (divisão 38 e grupo 4677 da CAE REV.3).Em tempo de pandemia covid-19, a atividade de gestão de resíduos foi considerada prioritária e continuou a sua laboração. De acordo com o relatório do INE, em 2020, o valor de faturação das atividades centrais de ambiente da componente “Proteção do Ambiente” foi de 2,3 mil milhões de euros. As atividades económicas do “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos”, “Tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos” e “Recolha de outros resíduos não perigosos” foram as mais representativas ao nível do volume de negócios ambiental gerado, com, respetivamente, 25,3%, 14,3% e 13,6% do valor total das atividades centrais. Não se entende qual será a mais valia económica para o país, esta proibição. Existirá uma regressão ambiental e existirá um decréscimo de volume de negócios no sector, o que é incompatível com o que aí vem na economia portuguesa.

 

V.A. - A economia circular é um modelo que devemos implementar cada vez mais na sociedade, de modo a atingir maior sustentabilidade?

C.S. - Sim, a economia circular previne a erosão do capital natural para um sistema restaurador e regenerativo. As ações de educação e alteração de atitudes e medidas do sistema linear de consumo para a preservação do valor dos recursos, tendo como princípios de gestão a redução, a reutilização, a recuperação e a reciclagem, promovem que a utilização dos recursos naturais seja reduzida ao mínimo. Quando atingem o fim do seu ciclo de vida mantêm-se na economia para serem reciclados, e voltam a gerar valor, apostando na economia sustentável. É importante a alteração destes comportamentos para as gerações futuras.

 

V.A. - Que outras atitudes podemos tomar para começarmos a atingir mais sustentabilidade no nosso planeta?

C.S. - Existem muitas atitudes que podemos ter para proteger o nosso planeta. Para além de promover a redução dos resíduos, a sua reutilização, a recuperação ou reciclagem, podemos também, economizar a água, usar meios de transporte menos poluentes, racionalizar o consumo de energia reflorestar as áreas verdes e usar fontes de energia renováveis ou limpas.

 

V.A. - A consciencialização é uma boa aposta para a mudança de paradigmas da sociedade?

C.S. - Desde 1997 que Portugal “tenta” apostar na Educação Ambiental. No entanto, parece-me que a grande massa da sociedade precisa sentir os efeitos adversos que as suas atitudes podem gerar no planeta. Recentemente, tive uma reunião com um representante autarca para o licenciamento de unidade de gestão de resíduos no seu concelho e ele respondeu-me, taxativamente, que não queria lixo no seu concelho. Não existe consciencialização nem consciência de como são realizadas as operações de gestão de resíduos no cumprimento da legislação ambiental vigente, que é tão vasta e muito exigente. A imagem do “lixo” está associada às antigas lixeiras e, desde que esteja longe da vista, está “longe do coração”. Existe muita informação disponível para a população e para os seus “líderes”, mas não existe consciência dos efeitos das suas atitudes. A esperança talvez esteja nas gerações que nos vão substituir, pois parecem ser mais atentas.

 

V.A. - Muitos autores, como Zygmunt Bauman, defendem que a produção de lixo está relacionada com a globalização. Concorda?

C.S. - A globalização tem aspetos positivos e negativos. Está associada à evolução sem fronteiras, que podem fornecer facilidades e também podem promover desigualdades. A globalização poderá favorecer o consumo pelo conhecimento da existência do produto e até poderá favorecer a produção do resíduo. Contudo, o mundo no ponto de vista de aldeia global, não permitirá também a aplicação de metodologias na sua proteção? Como poderemos tratar do mundo ou recuperá-lo se não for de forma global? Deixo no ar estas questões.

 

V.A. - Ainda somos uma sociedade muito consumista ou existem sinais de pequenas mudanças?

C.S. - Ainda somos uma sociedade muito consumista. Existem regras para o produtor com vista à diminuição do fabrico do resíduo, como, por exemplo, a utilização de menos plástico, menos embalagem no produto, utilização de materiais reciclados e melhores técnicas disponíveis. Contudo, a maioria dos consumidores ainda não tem a tal consciência ambiental e noção das consequências do esgotamento dos recursos naturais e das alterações ao nível do planeta. Os consumidores estão tão habituados ao facilitismo e priorizam o seu conforto. Como já referi, a geração que nos vai substituir parece ser mais “terra a terra” e mais preocupada! Espero não estar enganada.

 

V.A. - Quer deixar uma mensagem final, dirigida à população/empresas, em como estas podem potenciar a sua gestão de recursos hídricos e reciclagem?

C.S. - A melhor mensagem para a população, em geral, é orientá-los que existem pequenos gestos do dia-a-dia para proteger os recursos naturais e poupar na fatura mensal, tais como: evitar ter as luzes ou equipamentos ligados, quando não são necessários; isolar bem as paredes, janelas, tetos e pavimento de casa, para reduzir o uso de aparelhos de climatização; utilizar lâmpadas economizadoras; fechar a torneira quando estiver a escovar os dentes; tomar um duche rápido, em vez de banho de emersão; regar as plantas em horas de menos sol; colocar uma garrafa cheia de terra no autoclismo; só lavar a roupa quando tiver uma máquina cheia e promover a separação dos tipos de resíduos produzidos em casa, nomeadamente, plástico, papel e vidro e colocá-los no respetivos ecopontos. Para as empresas, aconselha-se que apliquem uma Política Ambiental na gestão da empresa, com metas anuais e que facultem formação ambiental aos seus colaboradores. Para além do cumprimento dos critérios legais, as empresas terão benefícios económicos e serão impulsionadoras de boas práticas ambientais.

 

Por: Filipe Vilhena