Após seis meses à frente da direção, Cláudia Gonçalves revela o que mudou na Existir, uma Associação sediada em Loulé, que presta apoio a utentes com deficiências motoras e físicas. Os objetivos futuros da Associação, o novo espaço e o aumento dos pedidos de ajuda são também abordados pela responsável.

A Voz do Algarve (VA) - Foi em dezembro de 2020 que a Cláudia Gonçalves assumiu a direção da Associação Existir. Foi difícil agarrar um projeto com 26 anos de existência? Na altura, como “encontrou” a Existir?

Cláudia Gonçalves (CG) – Não considero que tenha sido difícil. Na altura senti que a Existir precisaria de dar um salto, porque eu considero que as instituições precisam de, entre elas, fazer mais parcerias e foi isso que tentei implementar quando entrei. Sentia o edifício muito ‘fechado’, vazio e pouco acolhedor.

Quando cheguei tentei logo mudar algumas coisas, também para os utentes sentirem a minha presença. Eu gosto de implementar coisas diferentes de acordo com aquilo que eu acho que se deve fazer para mudar.

Assim que chegamos à Existir, uma das primeiras coisas que nós reparamos foi que as instalações estavam muito desadequadas em relação às necessidades que nós temos. Identifiquei algumas lacunas, como as acessibilidades, porque era muito importante para nós que eles não caíssem e tínhamos de melhorar algumas coisas.

Na altura, a direção reuniu-se e houve uma coisa que era unanime entre nós e que todos pensávamos: tínhamos de pensar num novo edifício para a Existir. A outra opção seria remodelar este, mas não ia fazer grande diferença, porque íamos continuar a precisar de espaço. Nesse caso, jogamo-nos de cabeça para o projeto de ter um novo edifício para a Associação.

VA- Qual seria a capacidade ideal para o novo espaço?

CG- Neste momento temos 150 utentes, mas temos pessoas em lista de espera. Se conseguirmos ter espaço para mais 60 utentes, seria ideal.

Com o novo espaço, tínhamos hipótese de apostar também num acolhimento residencial para pessoas com deficiência, algo essencial no Algarve, que também já foi reconhecido pela Câmara Municipal e a Segurança Social. Alguns destes utentes já têm 50 anos ou mais… Portanto seguindo a lei natural da vida, sabemos que os pais vão falecer e eles ficarão entregues a eles próprios ou então vão para um Lar, desadequado às suas necessidades. Assim, como temos que investir numa nova Existir, para aumentar a capacidade de resposta, fazemos um acolhimento residencial. Neste espaço, queríamos também colocar gabinetes médicos e dar todo o apoio na vertente da saúde. Temos o Banco Solidário, que está a precisar de espaço, queríamos ter uma piscina, uma horta social, um refeitório e área comum maior.

VA- Um dos objetivos da Existir era abrir uma Loja Social. Como consegue prestar apoio à população carenciada e como é o seu horário de funcionamento?

CG- Sim e esse objetivo já está a ser cumprido. Quando cheguei, a Loja Social estava desorganizada porque tínhamos muitas doações.

As pessoas que são acompanhadas por nós podem ir buscar roupa a custo zero. Têm direito a 5 peças por mês, onde se inclui outro material, como cadeiras de bebés, sofás e aquilo que nos vão dando. Quem não é acompanhado por nós, pode ir buscar roupas na mesma, a preços baixos, como 1 euro, que é considerado um donativo.

Esta loja vem dar aos nossos utentes a possibilidade de terem apoio na parte do vestuário e ao mesmo tempo facultar à sociedade acesso a material em segunda mão e barato, ao mesmo tempo que praticam solidariedade, porque o donativo vem para a Associação.

Em termos de horário de funcionamento, estamos abertos 3 dias por semana (segundas, quartas e sextas) das 09:00 às 18:00 horas. Temos muita gente que visita a Loja Social, porque em Loulé há poucos espaços assim.

VA- Para além do Município de Loulé, a Existir trabalha com outras autarquias? Considera que a “união faz a força” e que os projetos ou associações sociais deveriam contar com mais apoios autárquicos?

CG- A Câmara Municipal é o nosso grande apoio, não só para o Banco Solidário, como para as carrinhas. Quando tomei posse, reparei que as carrinhas estavam velhas e não existia grande margem para arranjos. Tentamos juntar esforços para a Câmara nos ceder uma carrinha e nós pagámos 20% do valor. Já nos candidatámos às carrinhas do Montepio e estamos a precisar de uma carrinha refrigerada para transportar os alimentos. Compramos uma carrinha para os utentes com menos deficiência para os levarmos a casa.

Só temos o apoio da autarquia de Loulé. Mas eu gostava de salientar que vou marcar reuniões com as outras autarquias, porque a Associação não é só de Loulé. Temos utentes de Albufeira, Faro e Tavira e acho que esses Presidentes têm de dar algum contributo para o bom funcionamento da Existir. Sinto que a Existir nesse sentido foi abandonada, mas quero alterar esse panorama. Por isso é que, para além das Câmaras Municipais, fizemos um refresh aos nossos sócios.

Quando cheguei à Associação, senti que também não nos ajudavam tanto porque não conheciam o nosso trabalho. Quando ganhei as eleições, muitos sócios já nem vinham à Existir e eu fiz questão de os convidar para eles virem cá e verem como trabalhamos, porque aí sim, eles ficam com vontade de ajudar.

VA- Sendo os apoios da Câmara Municipal de Loulé uma das principais e únicas fontes de rendimento, a Existir tem de procurar outras fontes de receita? Quais?

CG- Neste momento temos outras formas de receber algum dinheiro. Temos o refeitório social, que dá às pessoas 40 refeições por dia. Existe na porta da Existir um cartaz com a ementa, onde os interessados podem fazer a encomenda e nós fazemos serviço de take away. São apenas 4 euros por refeição.

Além disso, fazemos catering para casamentos, batizados e festas para a Câmara Municipal. A lavandaria social é outra fonte de receita e faz preços amigáveis para as entidades, como os Bombeiros ou a GNR, para lavar as suas fardas. Na Loja Social existe serviço de costura. Temos ainda a carpintaria, que restaura móveis a quem precisar.

Ao abrigo de alguns programas do Governo, temos ido ao Centro de Emprego buscar trabalhadores e tem sido um sucesso esta medida.

VA- Neste momento, a associação está a desenvolver inúmeras parcerias e protocolos. Que empresas/organizações estão a colaborar?

CG - É importante realçar antes de mais que no início nós íamos ter com as empresas e agora é o contrário. Temos cabeleireiros, dentistas, hospitais, farmácias, ópticas e até funerárias. Este acordo/parceria é bom para ambas partes, é bom para as empresas e é bom para nós.

Os associados conseguem usufruir de descontos, através de vários serviços mais acessíveis e a empresa ganha mais clientes e ainda alguma publicidade.

Em termos de hospitais, vamos fazer em várias especialidades que sabemos que os sócios precisam. Por exemplo, em consultas de psicologia, reabilitação, fisioterapia, entre outros. As pessoas que vão ao hospital, em vez de terem só o desconto da Medicare (por exemplo), têm ainda o cartão-sócio da Existir.

Neste momento temos cerca de 40 parcerias e vamos começar a descentralizar, ou seja, primeiro vamos fechar parcerias no Alentejo, depois em Lisboa e estamos a pensar em outros sítios. Eu quero que as pessoas que tenham o cartão-sócio da Existir possam percorrer o país inteiro e ter acesso a vários serviços. Este é um cartão feito por nós (que já tínhamos antes), mas que estava desatualizado. Quem estiver interessado, deve preencher uma ficha e pagar 20 euros anuais. Se pensarmos bem, com 10% de desconto num serviço qualquer, já compensa logo os 20 euros que os sócios pagam à Existir.

VA- Como é o processo de contacto da Existir com a empresa e o que estas ganham com esta parceira?

CG - Nós entramos em contacto com as empresas e enviamos um briefing daquilo que é o nosso trabalho e as empresas depois vão pensando no valor do desconto. Nós fazemos publicidade da empresa e elas passam a ser uma empresa solidária – colocamos um autocolante à porta do espaço para a identificar assim – e publicitamos a empresa no site.

VA- Vivemos tempos de pandemia e, consequentemente, de perdas de emprego ou diminuição da remuneração. Ajudaram mais famílias desde o início da covid-19 em Portugal? Essas famílias aceitam ser ajudadas com facilidade ou oferecem alguma resistência, a chamada “pobreza envergonhada”?

CG- Já demos apoio a muita gente, mas agora de facto tivemos de alargar o protocolo que tínhamos com certas entidades, nomeadamente a Câmara Municipal de Loulé, para abranger um maior número de pessoas. A pandemia veio fazer com que muitos de nós precisem de mais comida e mais apoios. Utilizo muitas vezes a frase: “Não quero ninguém na Existir a passar fome”. E é verdade, quem vier aqui, terá sempre um prato de sopa.

Outra coisa que implementei foi um acordo com Minimercados, que nos cedem alguns produtos fora de prazo, mas que estão em perfeitas condições e nós trazemos esses produtos para cá e, sem preencher nada, entregamos logo alguns bens à família. Em regime de S.O.S. chegam a vir cerca de 20 famílias por semana.

Sobre a questão da pobreza envergonhada, é totalmente verdade. Há pessoas que não querem vir buscar a comida à Existir e nós temos um serviço que entrega os bens diretamente às pessoas. Às vezes são pessoas que viviam na classe média/alta e que não querem ficar com a conotação social de “pobre”. Adaptamos o serviço a quem está a usufruir dele.

VA- Como tem corrido o projeto “Sopa para Todos” e como é que se pode participar nele ou ajudar quem mais precisa?

CG- Temos tido muita adesão no projeto “Sopa para Todos”. Imagine que faz uma doação de 100 euros, são logo 100 sopas, porque cada uma é apenas 1 euro. As refeições são feitas por nós, para combater as necessidades de todos.

Este é um programa nacional que tem sido um sucesso enorme. Nunca deixamos de ter donativos para a “Sopa para Todos” e isso já espelha muito o sucesso da iniciativa. Divulgamos a ação no Facebook e temos MbWay como forma de pagamento válida. 

VA- A pandemia afastou um pouco as pessoas a nível físico. Será que este fator poderá fazer com que comecemos a olhar menos para os outros e a ser menos solidários? Qual é o feedback que lhe tem obtido destes meses?

CG- Falando no geral e como socióloga, podemos dizer que a pandemia fez com que as pessoas se afastassem muito mais e se tornassem mais egoístas sim. Contudo, não creio que muita gente tenha aprendido algo com o vírus e, talvez, seria essa das poucas coisas positivas que poderíamos levar desta pandemia – aprender a partilhar. Isso é o que eu sinto no meu trabalho e nas minhas relações pessoais.

Aqui na Existir, na altura do surgimento da covid-19, sentimos o afastamento das pessoas, mas como pudemos ver, é difícil nós mantermos a distância das pessoas aqui [devido à sua amabilidade]. Todos os utentes são simpáticos, carinhosos e, apesar de lhes termos incutido o afastamento social, senti que quando as coisas melhoraram em termos de casos covid-19 em Portugal, os utentes querem abraçar-se e abraçar-nos. Eu não consigo dizer que não aos abraços. Realço que estamos sempre a ser testados à covid-19.

VA- Como é a sua relação com o pessoal que trabalha e colabora com a Existir?

CG- Quando cheguei quis logo valorizar a equipa. Restitui-lhes os dias de folgas que lhes foram retirados e quando alguém se quer ausentar, eu pago-lhes na mesma o dia. Sou uma Presidente de “porta aberta” e toda a gente tem o meu número de telefone.

VA- Os sorrisos são o melhor pagamento?

CG- Sim. Este é um trabalho voluntário e muita gente me pergunta porque eu me dedico tanto a isto. A resposta está nos abraços e sorrisos dos utentes. O lema “Uma Associação, uma família” foi implementado por mim. Acho que não podemos estar nas coisas sem sentirmos que aquilo é nosso. Eu adotei todas as pessoas como se fossem da minha família. E acho que eles me adotaram a mim. Foi uma troca de afetos e carinho. Como pode ver, até a decoração do espaço remete para uma casa e fomos nós que o transformámos.

Por: Filipe Vilhena