«O que nós temos é um conjunto de projetos que (…) vão ter um impacto social e económico negativo para a região do Algarve».

Miguel João Pisoeiro de Freitas, 53 anos, é Deputado pelo PS na Assembleia da República há dez anos.

Pertence  à Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar [Coordenador GP]; à Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local [Suplente] e à Comissão Eventual para Acompanhamento das Medidas do Programa de Assistência Financeira a Portugal.

Em entrevista ao jornal “A Voz de Loulé” o deputado Miguel Freitas aborda assuntos como a situação nacional do PS, a temática da saúde na região do Algarve, que debateu recentemente na Audição Parlamentar de Saúde no Algarve, e a localização de novos espaços comerciais no Concelho de Loulé.

 

 

A Voz de Loulé – Porque foi escolhido o Concelho de Loulé e não outro Concelho Algarvio para a realização da Audição Parlamentar de Saúde no Algarve?

Miguel Freitas – Escolhemos Loulé por ser uma zona central, apenas isso, não houve nenhuma outra razão particular. No entanto, esta audição é sobre cuidados de saúde primários, o que diz muito a Loulé. Loulé tem duas questões que nos preocupam relativamente a essa matéria e que são parte das finalidades desta audição. Primeiro, é um dos Concelhos com mais utentes sem médico de família, 25 594. E importa explicar que existem dois tipos de unidade de saúde familiares: o tipo A e o tipo B. As de tipo A têm um contacto menos exigente e portanto cada médico atende menos utentes. As de tipo B têm maior flexibilidade no ponto de vista da gestão e os médicos podem atender mais utentes. Ora, aqui faz todo o sentido que se passe de uma unidade do tipo A para uma unidade do tipo B. Para isso, a unidade precisa de estar creditada por uma entidade regional que faz esse trabalho. E Loulé tem uma Unidade de Saúde Familiar de tipo A que está creditada. Existem duas, uma em Albufeira e outra em Loulé. Estes são dois Concelhos que têm muitos utentes sem médicos de família, e que teriam todo o interesse em que essas Unidades passassem de tipo A para tipo B. Portugal têm 213 Unidades de Saúde Familiar, em que 183 são de tipo B, o que significa que 85% das Unidades de Saúde Familiar do país são de tipo B. Em contrapartida, das 9 Unidades de Saúde Familiar existentes no Algarve, apenas 3 são do tipo B, o que significa 33% da totalizada. Portanto, temos aqui um problema que deve rapidamente ser resolvido.

Outra questão é, como todos sabemos, o problema no Serviço de Urgência Básica (SUB) de Loulé que esteve encerrado por alguns dias por não ter médicos ou os enfermeiros necessários.

 

V.A. – Mas a ARS Algarve desmentiu essa informação, em comunicado, garantindo, por altura da manifestação do Movimento dos Cidadão em Defesa dos Serviços Públicos de Saúde de Loulé, que o SUB de Loulé se encontrava “a funcionar normalmente, com o número de profissionais adequados e necessários para garantir a prestação de cuidados de saúde de forma efetiva e ininterrupta nestas unidades”…

M.F. – Sim, foi apenas um pequeno período de tempo, mas mal seria se nós nos justificássemos perante o encerramento de um serviço, porque foi apenas algumas horas. Isso não pode acontecer!
E sobre essa matéria nós queremos primeiro uma clarificação: De quem depende os SUB? Dependem do Centro hospitalar do Algarve ou depende da ARS? A lei diz que depende do Centro Hospitalar do Algarve (CHA), e portanto devia ser este a assegurar a SUB de Loulé. Há, no entanto, um contencioso entre a ARS e o CHA sobre esta matéria, e o que nós queremos é uma clarificação. Precisamos de saber de quem é a responsabilidade disto! Claro que não queremos apenas isso. Queremos que nos garantam que não volta a acontecer o encerramento dos serviços, nem por umas horas. Essa é uma exigência que os louletanos fazem e em que o PS está do lado de Loulé e de São Brás de Alportel, que também é servido pelo SUB de Loulé. São dois concelhos que ficam prejudicados se o serviço falhar. Portanto, não pode falhar!
Tudo isto vem demonstrar que há uma degradação dos serviços de saúde na região. E uma das razões é o problema crónico de falta de médicos que existe na região, particularmente na especialidade de medicina geral e familiar.

 

V.A. – E na sua opinião a que se deve esse problema?

M.F. – O Algarve é uma região periférica e não existem incentivos, monetários, por exemplo, para atrair os médicos. Mesmo do ponto de vista da saúde não é uma região atrativa. E este é um problema crónico, ao qual se juntou um novo fenómeno: a redução do número de enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde, problema este que está a ter grande incidência no Algarve. Foram 52 enfermeiros que saíram, a maior parte deles para emigrar, e não foram substituídos. Há um concurso aberto para meter apenas 40 novos enfermeiros. Significa isto que estamos com problemas de pessoal, que está sobrecarregado de trabalho. As ordens e os sindicatos começam a reclamar fortemente perante o número de horas que esse pessoal tem de fazer. É verdade que o curso de medicina pode vir a ajudar a resolver parte deste problema, mas não chega! Tem que haver políticas concretas de atração de pessoal médico e de fixação dos enfermeiros na região.

Mas há também falhas de outro tipo. A fusão dos Hospitais de Faro, Portimão e Lagos, foi feita, no meu ponto de vista, de uma forma pouco cuidada e pouco participada, eu diria que foi feita aos repelões, não se tendo chamado os profissionais para se discutir o que era melhor. A nossa questão central não tem a ver com o modelo de gestão, tem, essencialmente, a ver com a forma como este modelo de gestão está a ser posto no terreno. Temos sérias reservas relativamente à forma como o processo tem decorrido, com o encerramento de valências nas Urgências do Hospital de Portimão, com falta de material nos Hospitais… são muitos problemas. Tudo isso nos preocupa, daí termos apresentado um projeto de resolução na Assembleia da República sobre Hospitais. E por parte do PS, esta matéria sobre Hospitais está esgotada: há um projeto de resolução e há recomendação ao Governo para reposição dos serviços hospitalares tal como prevê uma providência cautelar do Tribunal de Loulé. E é essa a nossa batalha, dar cumprimento a uma decisão do tribunal, porque ninguém está acima da lei, e a lei tem que ser cumprida!

Por sua vez, esta audição é feita sobre cuidados de saúde primários em complemento dessa ação. Temos aqui um conjunto de preocupações que tem a ver com Unidades de Saúde Familiar, Centros de Saúde, o aumento dos utentes sem médicos de família, o encerramento de extensões de saúde do interior, nomeadamente no Concelho de Alcoutim e de Castro Marim que já encerraram, mas também o risco de poder vir a acontecer noutros Concelhos e, finalmente, temos uma nova preocupação, que tem a ver com a possibilidade de deslocalização da sede da Direção Regional da ARS do Algarve para fora do Algarve.

 

V.A. – Agora saindo um pouco da área da saúde, e tendo sido líder do PS Algarve até há poucos anos, o que pensa da disputa interna para a liderança nacional entre António José Seguro e António Costa?

M.F. – Começo por dizer que sou apoiante de António José Seguro e que neste momento esperava estar a fazer um combate na rua e afinal estou a fazer um combate em casa. E isso a mim preocupa-me profundamente. Vamos ver… temos o processo em curso para a realização de primárias. É a primeira vez que se organizam primárias para a escolha do candidato a Primeiro Ministro em Portugal. O PS vai experimentar essa inovação, é um sinal importante para a sociedade, mas é também um modelo que tem de ser devidamente organizado para que possa ter o impacto desejado do ponto de vista da adesão dos portugueses a este processo. Portanto vamos aguardar. Pessoalmente, acompanho este processo com muita preocupação, não esperava que nesta altura estivéssemos a tratar de pôr a casa em ordem, quando quem precisa de nós é o País.

 

V.A. – Como apoiante de António José Seguro, o que acha que este pode trazer de melhor para o País, comparativamente a António Costa. Quais são as principais diferenças destes candidatos?

M.F. – Eu apoio o António José Seguro por uma questão de imperativo de consciência. Eu trabalhei durante 3 anos muito próximo de Seguro, e não fazia sentido nesta altura não estar com a liderança com que trabalhei. Isto é, os sucessos e os insucessos desta liderança eu partilho-as, porque na política só podemos estar de um lado, não podemos passar de um lado para o outro. Portanto, eu estou deste lado, e é naturalmente a liderança em que eu acredito nesta altura para concretizar aquilo que é o objetivo do PS, que é ganhar as eleições e ter uma solução de governabilidade para o País. Eu continuo a acreditar que o caminho que estava a ser feito era o caminho que levaria a uma vitória no PS. Não há nenhum cenário, até hoje, que mostrasse que o PS não ganharia as próximas eleições legislativas.

 

V.A. – Acha que esta situação aumenta os riscos para o PS?

M.F. – Eu creio que este processo vai abrir uma ferida e, naturalmente, temos de viver este período com intensidade, não há outra forma, é uma disputa interna. De qualquer maneira, embora eu não tenha nada a certeza que o PS saia reforçado desta situação, espero sinceramente que depois disto o PS possa ainda concretizar aquilo que é o desejo dos portugueses, ou seja, ser a alternativa a este Governo.

 

V.A. – Tem, ao longo dos anos, desempenhado vários cargos de natureza politica. Onde se sentiu mais realizado?

M.F. – Na Direção Regional da Agricultura do Algarve. Absolutamente! Foi a minha primeira grande experiência de liderança num organismo regional, onde estive durante três anos e onde senti que todos trabalhávamos no mesmo sentido. Foi o único sítio onde eu trabalhei até hoje, onde senti que todos puxavam o barco para o mesmo lado! Essa é a razão pela qual é a casa onde eu fui mais feliz.

 

V.A. – Considera mais fácil ser deputado na oposição ou deputado de apoio ao Governo?

M.F. – É mais fácil ser deputado na oposição. Porque o deputado da oposição pode expressar toda a sua capacidade de intervenção. Naturalmente, sempre com um grande sentido de lealdade, porque nestas coisas, mesmo quando estamos na oposição, só devemos fazer aquilo que sentimos que, quando estivermos no poder podemos concretizar. E o caso da Via do Infante é aquele que marca toda a minha carreira enquanto deputado. O processo é conhecido. Eu senti-me sempre coibido, enquanto deputado, na defesa da minha região, sabendo que o meu Governo tinha tomado uma decisão contrária àquilo que sempre defendi. Enquanto deputado com o Partido do Poder, senti-me coibido de exercer aquilo que era a minha função, e tive uma absoluta necessidade de negociar para encontrar uma solução que me pareceu menos má. Por sua vez, vindo para a oposição, devo dar combate e voz ao descontentamento, mas também ter, sobre essa matéria, e sobre todas as outras, responsabilidade de saber que cada vez que digo ou faço alguma coisa, se um dia o PS voltar a ser poder, eu não posso deixar de cumprir aquilo que foram os meus compromissos para com a minha região e as pessoas da terra. Não devemos prometer o que não podemos.

 

V.A. – No Concelho de Loulé existem presentemente várias pretensões para a instalação de grandes áreas comerciais, sendo elas o “Ikea” e o “Algarve Cluster Multiusos”  do grupo Allegro, ambas em Loulé, e o “Alma Plaza Lifestyle Center”, em Almancil. Qual a sua opinião sobre o desenvolvimento e impacto destes projetos?

M.F. – Eu acho que nós temos um problema gravíssimo do ponto de vista do planeamento regional. Isto é, nós tomamos decisões à la carte: aparece um projeto e nós avaliamos esse projeto sem ver o todo. Procuramos, a cada momento, dar uma resposta sem ter um planeamento global. Ora bem, sobre os projetos comerciais que temos em curso no Concelho de Loulé, há um que tem uma dimensão que o torna um projeto relevante. Não um projeto estruturante, mas um projeto relevante. O Ikea procurou sempre ser um projeto estruturante, mas eu não o considero um projeto estruturante para o Algarve. E isso distingue-se porque um projeto relevante é um projeto que apesar de ter uma determinada dimensão deve fazer o seu percurso no quadro daquilo que são os instrumentos de Ordenamento do Território existentes. Já um projeto estruturante deve ser considerado de interesse público. E sendo de interesse público, deve ter um outro processo do ponto de vista do Ordenamento do Território. Ora bem, o que é verdade é que o Ikea fez um percurso quase como uma via verde na sua aprovação e só há muito pouco tempo foi considerado um Projeto de Interesse Nacional. E nunca vi que tenha sido um projeto de interesse público. Não há nenhuma decisão Ministerial que aponte nesse sentido. Neste momento, o que eu julgo que vale a pena dizer sobre essa matéria é o seguinte: nós estamos numa fase em que certamente não há margem de manobra para voltar atrás, que nestes processos é praticamente nula.

Vale a pena fazermos esta análise. Este empreendimento vai trazer um aumento significativo da área de venda no Algarve: vamos passar de cerca de 475m2 de espaço de venda por 1000habitantes para quase 2000m2. Segundo um estudo feito pela Direção Regional de Economia de 2010, a partir de 450m2 de área de venda por 1000habitantes, entramos num processo de “canibalização”, ou seja os espaços comerciais começam a comer-se uns aos outros. Ora, nós vamos ter quase 4 vezes mais do que aquilo que deveríamos ter. E o que vai acontecer é que, certamente, este conjunto novo de Projetos Comerciais do Concelho de Loulé, (que à primeira vista podem parecer algo bom, que vai trazer mais emprego, mais economia), irá provocar um terramoto no ponto de vista dos espaços urbanos do Algarve Central, é essa a minha opinião. Albufeira, Loulé, Faro, Olhão e até Tavira vão ser altamente prejudicados. Passaremos a ter espaços urbanos, essencialmente dormitório e espaços administrativos praticamente sem vida, porque vão ser completamente sugados por espaços relevantes, como aqueles que vamos ter. Não é uma estrutura do Ikea, é todo o espaço que está à volta e que vai ser um espaço de venda, ao qual acresce os outros dois projetos que referiu. Portanto, o que nós temos é um conjunto de projetos que, do meu ponto de vista, não estavam no planeamento regional, que não estavam no PDM de Loulé e que, repito, do meu ponto de vista, vão ter um impacto social e económico negativo para a região do Algarve, e muito particularmente para o Algarve Central.

 

V.A. – Está contra os três Espaços Comerciais, ou tem a opinião de que deveriam seguir uns e não outros?

M.F. – Tudo o que nós acrescentemos ao que já existe sem o devido planeamento contribui para a situação de que falei. É bom que fique claro que eu não tenho nada contra nenhuma marca, nenhuma insígnia em Portugal. Absolutamente nada! São gente seria, e o Ikea é uma empresa que tem trabalhado bem em Portugal, com responsabilidade social... Não é essa a questão. A questão é que deve haver o cumprimento de um conjunto de requisitos para haver a aprovação deste tipo de iniciativas. Hoje, em países como França, Holanda, Reino Unido, etc já não se permite a abertura de um espaço com esta dimensão fora de um centro urbano. Porque os centros urbanos estão a morrer, todos nós sentimos e sabemos isso. A abertura de unidades nas zonas periféricas dos centros urbanos, como aliás tivemos em Albufeira, em Faro e agora em Loulé causam isso mesmo. E o que temos agora já não é propriamente mais um Centro Comercial. Não! Nós temos uma pequena cidade, um espaço onde tudo se pode fazer. Não apenas comprar. E portanto vai ser uma zona de atração fortíssima. A outra grande questão que se coloca é a questão do emprego, que é uma questão que me preocupa muito. Vamos dar o exemplo do Ikea. O estudo aponta no sentido da criação de 3000 postos de trabalho. Ok. Mas a pergunta é: quantos vão ser destruídos? E ao serem destruídos esses empregos, quanto é que esses empregos valiam e quanto é que vai valer esse novo emprego? Isto é, a média salarial daquilo que é, numa zona tradicional, pago a pessoas que trabalham há 20 ou 25 anos nessas zonas, é na ordem dos 1000 a 1500 euros. Nós vamos ter agora salários na ordem dos 600/700 euros. Portanto, serão precisos 2 empregos para colmatar cada emprego que vamos deixar de ter na zona tradicional. Eu não tenho nada a certeza que aquilo que venha a ser o valor acrescentado dessas novas unidades seja suficiente para compensar, do ponto de vista do emprego, aquilo que são os empregos que vamos perder e os subsídios que vamos ter que pagar.

 

V.A. – Mas não será esta uma fonte atrativa de turismo?

M.F. – É bem colocada essa questão. Nós realmente vamos a outros estabelecimentos comerciais fora da região, vamos ao Ikea em Espanha, por exemplo…mas vamos a Sevilha? Raramente vamos a Sevilha! Quem lá vai, vai ao Ikea e volta para casa. Quando vamos a um espaço desses temos onde comer, temos onde levantar dinheiro, está lá tudo. Se se tratasse exclusivamente de uma unidade Ikea eu era o primeiro grande defensor desse modelo. Mas não é isso que nós vamos ter.

 

V.A. – E o que diria aos empresários responsáveis por esses projetos?

M.F. – Existe uma providência cautelar, pelo facto de ter havido reclassificação de solo rural em solo urbano. Isso está no Tribunal de Loulé, por isso não é matéria política. Sobre essa matéria as administrações foram-se pronunciando. Eu posso ter discordâncias relativamente a isso, e tenho! É bom que fique claro, mas neste momento isso não é política aberta. Não vale a pena eu debruçar-me sobre coisas que não estão em aberto. E portanto, do ponto de vista político nesta altura a minha preocupação tem a ver com o facto destas três unidades secarem as nossas zonas urbanas. E, como já disse, neste momento não tenho a certeza que qualquer medida de compensação no sentido da regeneração urbana destes espaços seja suficiente.

 

V.A. – Que medidas de compensação poderiam ser essas?

M.F. – Se este processo é um processo imparável, o mínimo que se espera é um plano estratégico para o Algarve central. Isto é, ponto número 1, o Governo tem que olhar para isto com preocupação e tem que ter medidas concretas para o Algarve Central. Podíamos sempre ter compensações do ponto de vista de grandes equipamentos estruturantes para o Algarve Central, como por exemplo a Marina de Faro, de que se fala muito… Mas insisto, eu tenho muitas dúvidas. Julgo que as medidas de compensação já não são suficientes para nos resolver o problema. Devemos sempre tê-las, mal seria se assim não fosse… Mas o Governo deve olhar para isto com preocupação, os Municípios, a Associação de Municípios, a CCDR, todos devem olhar para isto com profunda preocupação. E olhando dessa forma, devem propor um plano estratégico para minimizar os danos que isto vá provocar.
Ponto número 2, se não podemos parar estes processos, o que devemos fazer é envolver estas empresas num processo de desenvolvimento planeado para o Algarve Central. Eu tenho vindo a dizer que nós temos um Estádio e que esse Estádio pode ser perfeitamente aproveitado por uma marca com dimensão, como o Ikea, dinamizando-o e atraindo gente à região e, acima de tudo, libertando esse dinheiro que hoje é gasto pelos Municípios e que estes podem ter para fazer coisas pela sua terra. Portanto, há formas de envolver essas grandes empresas. Fazê-las, por exemplo, assumir um compromisso de Responsabilidade Social para com a Região, em que 5% daquilo que usam são produtos adquiridos na Região. Esse pode ser um compromisso, um envolvimento que pode haver.

 

V.A. – Qual o balanço que faz do mandato legislativo em curso, enquanto deputado eleito pelo algarve, e como avalia ao longo desse período as suas funções enquanto Coordenador de Agricultura e Mar?

M.F. – Este tem sido um mandato difícil, em circunstâncias difíceis do País, que vive um momento de crise profunda. Portanto todos os políticos devem ter o sentido da responsabilidade de perceber que devem, essencialmente, falar olhos nos olhos com as pessoas dizendo-lhes a verdade. O PS tem soluções distintas daquelas que tem vindo a seguir este Governo. E nós, no ponto de vista regional, temos apresentado propostas sistemáticas relativamente àquilo que é o trabalho que temos desenvolvido na região. A todos os níveis. Esta audição sobre Unidades de Saúde é a 4.ª audição que realizamos, depois de termos feito uma audição sobre a Lei de Bases do Ordenamento do Espaço Marítimo, uma das questões mais importantes para o Algarve, particularmente para as zonas da Ria Formosa. Fizemos outra sobre a questão dos Fogos Florestais, sobre a organização do Algarve para dar resposta aos Incêndios Florestais. Fizemos ainda uma terceira sobre Domínio Público Hídrico. E agora a questão da saúde. Temos mais para fazer lá à frente, a partir de setembro ou outubro, se ainda cá estivermos, porque não sabemos o que vai acontecer, uma vez que estamos a viver de grande instabilidade e não sabemos o que vai ser o dia de amanhã. O que interessa dizer aqui é que temos vindo a dar respostas, temos procurado ouvir as pessoas e levar os problemas do Algarve ao Parlamento.
Sobre a tarefa na Comissão de Agricultura e Mar, é um Ministério onde algumas coisas nos distinguem do Governo, mas onde nós, acima de tudo, temos tido uma postura construtiva. O sector agrícola tem hoje uma boa imagem na sociedade portuguesa e é essa imagem que nós queremos passar. Conseguimos, de há uns anos a esta parte, dar a volta àquilo que era a forma como a sociedade olhava para este sector. Neste sentido, não faria sentido que agora dessemos o contributo contrário e tivéssemos a fazer uma oposição, a todo o custo, do bota abaixo. Não é essa a nossa postura, temos tido uma postura construtiva. Há matérias que nós concordamos e aprovamos, estou-me a lembrar, por exemplo, da Bolsa de Terras, uma medida que o Governo levou e nós aprovámos sem problema nenhum. Tivemos apenas uma pequena discordância e fizemos uma abstenção, esclarecendo com uma declaração de voto que não concordávamos com aquele aspeto em concreto, mas dizendo que aquela era uma linha com a qual nós nos identificávamos, era importante haver uma Bolsa de Terras em Portugal.

Há outras matérias. Algumas separam-nos claramente deste Governo, de que é exemplo a questão dos pequenos agricultores. Consideramos que as medidas fiscais implementadas para os pequenos agricultores são muito negativas. Os pequenos agricultores têm sido muito penalizados. Eu próprio sou relator na Assembleia da República de uma petição levada pelos agricultores de Lagos. Essa petição será discutida em breve, e mais uma vez nós vamos ter a oportunidade de dizer que é necessário simplificar a vida aos pequenos agricultores. É uma discordância que temos. Há outras matérias, do ponto de vista técnico, onde temos vindo a trabalhar sem nenhum complexo, sempre com a grande ideia de que é preciso manter uma imagem positiva da agricultura em Portugal.

 

V.A. – Como nosso representante algarvio na Assembleia da Republica, já deu tudo o que tinha a dar, ou ainda há muito para fazer? Como podemos nós algarvios sentir-nos com a sua representação?

M.F. – Eu vou cumprir 10 anos enquanto deputado, e devo dizer que é uma atividade muito exigente, onde tenho procurado, sempre, dar o máximo de mim nas minhas funções. A seu tempo, o Partido decidirá o que pretende da minha pessoa e eu cá estarei. Estou sempre disponível para o trabalho, para aquilo que é preciso fazer. No momento certo serei sujeito a avaliação e o Partido tomará as suas decisões …Eu sou um homem essencialmente do Coletivo e respeito muito aquilo que o meu Partido, as pessoas com quem trabalho, as pessoas que tem a liderança e a coordenação do Partido decide a cada momento. Não faço futurologia. Por agora, tenho mais um ano de mandato, se é que o tenho, e aí aguardarei a decisão. Logo se vê o que é que vem.

 

Nathalie Dias