A escassez de habitação a preços acessíveis tornou-se uma emergência em várias cidades da Europa, afetando diretamente as escolhas de residência das famílias e a mobilidade de trabalhadores e estudantes. A dimensão do problema é tal que a Comissão Europeia decidiu nomear um comissário específico para liderar a resposta europeia a esta crise, colocando a habitação acessível no centro da sua agenda política.
Foi em meados de julho que a Comissão Europeia lançou a segunda fase da consulta pública sobre o novo Plano Europeu de Habitação a Preços Acessíveis, que procura garantir soluções residenciais compatíveis com os rendimentos das famílias, permitindo-lhes suportar não só o custo da casa, mas também as despesas essenciais para uma vida digna, como alimentação, educação e saúde. Como sublinha Donatella Marino, advogada especializada em Direito Imobiliário, “o objetivo não é apenas garantir um teto, mas assegurar condições de vida adequadas a todos.”
Este tema, que era visto como uma preocupação local de algumas cidades, transformou-se numa questão global, em grande parte devido à intensificação da urbanização e ao agravamento da crise habitacional em muitas regiões. “A urbanização acelerada de algumas zonas, aliada à crescente escassez de habitação, tornou esta crise um problema transversal a várias realidades europeias,” aponta Guido Alberto Inzaghi, sócio fundador do SI – Studio Inzaghi.
Embora ainda não existam normas europeias que imponham alterações às políticas de habitação dos Estados-Membros, a Comissão Europeia já delineou um plano concreto, respeitando as competências nacionais mas promovendo ações coordenadas.
Um dos passos mais significativos foi a criação, em março de 2025, de uma plataforma de investimento paneuropeia para habitação sustentável e acessível. Esta iniciativa visa mobilizar recursos financeiros e técnicos para apoiar projetos em todo o continente, com especial atenção às regiões onde o mercado habitacional se encontra menos desenvolvido e onde as necessidades são mais prementes.
“A plataforma de investimento assenta em quatro pilares fundamentais”, explica Luigi Nassivera, especialista em temáticas de housing. “Por um lado, pretende facilitar o acesso a financiamento e consultoria técnica através de parcerias com a Comissão Europeia e instituições financeiras. Por outro, alarga o apoio do Banco Europeu de Investimento às regiões mais vulneráveis. Inclui ainda uma abordagem integrada de toda a cadeia de valor da habitação, desde a inovação na construção até à gestão dos imóveis. E, finalmente, mobiliza o setor privado, trazendo para a equação promotores imobiliários que possam contribuir para aumentar a oferta de habitação acessível.”
A meta é clara: injetar liquidez num segmento de mercado frequentemente bloqueado por dificuldades financeiras e regulatórias. No entanto, o projeto europeu vai muito além da vertente económica. Prevê-se, por exemplo, a revisão das regras sobre auxílios de Estado, facilitando o apoio governamental a projetos de habitação acessível, e a promoção de uma estratégia europeia de requalificação de edifícios vazios ou subutilizados.
Um dos aspetos mais críticos identificados no plano é o impacto do arrendamento de curta duração — os chamados short-term rentals — na disponibilidade de habitação. Guido Alberto Inzaghi sublinha a importância de encontrar um equilíbrio: “É essencial avaliar de forma rigorosa em que medida estas práticas estão a agravar a crise habitacional e ajustar a regulação em conformidade.”
A luta contra a pobreza energética é outro pilar do plano. “Construir casas acessíveis não basta,” refere Nassivera. “É fundamental garantir que sejam eficientes em termos energéticos, para evitar que os custos das faturas se tornem um fardo insustentável para as famílias.”
A importância de adaptar regras locais para responder à crise habitacional
A nível legislativo, os especialistas apontam a necessidade de uma abordagem multifacetada. A simplificação dos processos de licenciamento, a criação de vias rápidas específicas para projetos de habitação acessível e a implementação de incentivos fiscais, como isenções de impostos locais ou benefícios urbanísticos, são algumas das medidas consideradas prioritárias.
Donatella Marino realça ainda a importância de adaptar algumas normas urbanísticas, nomeadamente no que toca às exigências de áreas para serviços públicos e estacionamento, que muitas vezes encarecem os projetos sem que isso reflita as reais necessidades das comunidades.
O caminho para uma resposta eficaz à crise da habitação passa, necessariamente, por compreender a diversidade das realidades locais. “Cada território tem as suas especificidades e o fenómeno da emergência habitacional manifesta-se de forma muito diferente dependendo dos contextos sociais e económicos,” alerta Inzaghi. “Não podemos olhar para esta questão como um problema homogéneo.”
Nos últimos meses, a Comissão Europeia lançou uma call for evidence, reunindo contributos de centenas de stakeholders de diversos Estados-Membros, com o objetivo de identificar boas práticas e recolher sugestões sobre como enfrentar os desafios específicos de cada território. Este processo de consulta será seguido por uma consulta pública mais alargada, que decorrerá até outubro de 2025, com vista à adoção do European Affordable Housing Plan no primeiro trimestre de 2026.
Idealista News