Diogo Capela, sócio da sociedade de advogados Lamares, Capela & Associados, acredita que Marcelo não dará luz verde ao «novo» decreto.

Após o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) ao decreto da Assembleia da República (AR) que visava a alteração da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (lei de estrangeiros), ocorrido em agosto, no dia 30 de setembro, o referido diploma voltou a ser alvo de discussão na AR, a qual apressou-se a votá-lo logo após o período de férias. Será que Marcelo vai viabilizar a nova versão do decreto* que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional? Advogado acredita que não.  

Aprovado com os votos a favor do PSD, CHEGA, IL, CDS-PP e JPP, o Decreto n.º 11/XVII sai agora de São Bento para Belém para ser analisado pelo Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa irá novamente analisar o documento e aferir se algumas das alterações entretanto votadas são suficientes para afastar qualquer juízo/apreciação sobre a (in)constitucionalidade legal do diploma e assim promulga-lo ou se, pelo contrário, dúvidas persistem sobre a legalidade ou não do mesmo e, nesse caso, terá de remetê-lo ao TC para nova fiscalização preventiva da constitucionalidade, começa por explicar Diogo Capela, sócio da sociedade de advogados Lamares, Capela & Associados, neste artigo preparado para o idealista/news.

Recorde-se que o TC no Acórdão n.º 785/2025 entendeu existirem normas inconstitucionais, as quais versam especificamente sobre os seguintes temas:

  • Reagrupamento familiar;
  • O prazo para decisão dos pedidos pela AIMA e sobre a tutela jurisdicional.

Este novo decreto da AR visa alterar a configuração que foi dada aos temas acima referidos, mas, de acordo com Diogo Capela, o documento continua a suscitar dúvidas sérias relativamente à inconstitucionalidade de algumas das suas normas: "Este novo decreto é tão ou mais inconstitucional do que o anterior. O Governo parece não ter entendido a mensagem do TC e decidiu seguir no mesmo caminho”.

"Este novo Decreto é tão ou mais inconstitucional do que o anterior. O Governo parece não ter entendido a mensagem do TC e decidiu seguir no mesmo caminho"
Diogo Capela, sócio da sociedade de advogados Lamares, Capela & Associados

O que diz o Decreto n.º 11/XVII?

O novo decreto determina que os casais com filhos possam reagrupar-se com o requerente principal logo após a emissão da Autorização de Residência em Portugal por parte deste último. Já os casais sem filhos terão de esperar 15 meses confirmando-se que haviam coabitado 18 meses antes da entrada em Portugal, pois caso contrário só podem reagrupar-se ao requerente principal dois anos após este ter conseguido obter a sua Autorização de Residência

Segundo o advogado, “a violação do princípio da igualdade no instituto do reagrupamento familiar entre casais que têm filhos e os que não os têm é evidente", uma situação que "o Presidente da República não vai deixar passar". 

O decreto faz ainda uma distinção entre os familiares de titulares de autorizações de residência que sejam altamente qualificados ou titulares de visto gold, atribuindo a estes a possibilidade de reagruparem os seus familiares logo após a emissão da Autorização de Residência, por oposição aos outros titulares que terão, em diversos casos, de aguardar dois anos até poderem proceder ao reagrupamento dos seus familiares.

De acordo com Diogo Capela, este novo decreto restringe ainda mais o acesso a familiares reagrupados que tenham entrado em Portugal sem visto de residência e que apenas aguardavam, legalmente, pelo agendamento na AIMA para poderem regularizar a sua situação, os quais, em alguns casos, poderão ser obrigados a regressar ao país de origem. 

Além disto, o novo diploma parece aumentar o grau de exigência quanto à prova dos vínculos familiares, exigindo que os casamentos uniões de facto sejam reconhecidas em Portugal, o que abre a porta à necessidade de, previamente aos pedidos de autorização de residência, serem os requerentes principais e familiares obrigados a transcrever os seus casamentos para Portugal ou proceder, no caso de união de facto, ao reconhecimento judicial das mesmas, processos que podem demorar um ou mais anos até estarem concluídos, sustenta o advogado. 

Prazo de decisão da AIMA prolongado

Por fim, outro dos temas mais debatíveis é o prolongamento do prazo de decisão da AIMA, a qual, atualmente, está legalmente obrigada a emitir uma decisão em três meses. Mas com o novo Decreto permite-se que a AIMA apenas decida em nove meses, “(…) podendo, em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, ser prorrogado pelo órgão competente para a decisão final por igual período…”. 

No acórdão do TC chamou-se a atenção para o facto de o novo regime preconizado no decreto elevar para o triplo do atualmente previsto o prazo de decisão relativo ao pedido de autorização de residência para o reagrupamento familiar, com simultânea eliminação da possibilidade de deferimento tácito, e disto ter como consequência que o reagrupamento de um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de três anos e meio, período considerado violador do princípio da união familiar e desrespeitador do princípio da celeridade administrativa. 

Além disso, o Governo decidiu manter o texto que já anteriormente tinha sido alvo de análise por parte do TC, o qual foi crítico do uso de expressões vagas e que entendeu que, ao admitir-se a possibilidade de prorrogação desse prazo com base em "circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido", poderá permitir-se à administração eventuais prorrogações sem fundamentação objetiva, potenciando decisões discricionárias e desiguais.

*O decreto ainda não está aprovado, terá de ser enviado para promulgação do Presidente da República e caso este o remeta para o TC possivelmente só em novembro haverá novidades sobre este processo legislativo.

 

Idealista News