Loulé está no Top 5 nacional da despesa em concertos no ano de 2025. Mas os números conhecidos são apenas parte do espetáculo: sem estudos de impacto ou contas claras, a festa continua… à custa de todos.
Em ano de eleições autárquicas, em Loulé, o investimento público em animação não fica atrás de municípios muito mais populosos. Por muito que a Câmara Municipal de Loulé tente pintar o concelho com música e luzes, os números são mais ruidosos do que qualquer palco de festival. Segundo os dados compilados pelo Observador com base nos contratos publicados no Portal BASE, a Câmara Municipal de Loulé gastou já 429,5 mil euros APENAS em concertos no primeiro semestre de 2025. Só quatro municípios em todo o país gastaram mais - Lisboa, Oeiras, Loures e Seixal - autarquias muito maiores em população, estrutura e centralidade.
E ainda não estão aqui contabilizados os custos do Festival MED 2025 - cujos contratos com fornecedores de som, luz, vigilância e artistas somam já (em contratos recentemente publicados no Base) mais de 200 mil euros - nem da próxima Noite Branca, prevista para o final do verão. Ou seja, a despesa com concertos no concelho irá facilmente ultrapassar o milhão de euros (oficialmente) em ano de eleições autárquicas.
A realidade é muito, muito maior do que aquela que se pode obter dos contratos existentes no Portal Base. Nele não constam, por exemplo, as horas extras pagas a funcionários, o consumo de eletricidade, o merchandising produzido, os subsídios atribuídos, as transferências para as juntas de freguesia assumirem o papel de co-organizadoras, etc. Sem ter números exatos, porque nunca a autarquia, liderada por PS ou PSD, os apresentou de forma transparente, a experiência de muitas festas, concertos e outras atividades que organizei ao longo da minha vida, aponta para um valor facilmente superior aos 2 milhões por ano.
Uma ninharia, poderá dizer-se num orçamento de 200 milhões, mas num concelho com zonas rurais ainda sem saneamento básico, com jovens empurrados para fora por falta de habitação acessível, com empreendedores culturais a competir com a gratuitidade municipal e com famílias a viver de apoios sociais por falta de emprego, este tipo de prioridades levantam duas perguntas fundamentais: qual o seu verdadeiro custo e qual o retorno do mesmo?
O modelo é conhecido. Grandes palcos, eventos mediáticos, programação gratuita - e uma mensagem repetida até à exaustão: “investir na cultura é investir nas pessoas”. Mas de que cultura falamos? De que pessoas? E com que retorno?
Não há - que se saiba - qualquer avaliação pública sobre o impacto económico destes eventos. Não há um estudo sobre o efeito das festas/concertos da autarquia no pequeno comércio. E, pior, não há uma escuta ativa aos empresários locais da restauração, animação noturna, coletividades e produtores culturais, que vêem as suas casas vazias enquanto a Câmara Municipal oferece a mesma coisa, grátis, a dois quarteirões de distância e, para compensar, mantem o tecido empresarial e cultural agarrado às “barracas”, sempre presentes nas festas e concertos, para assim conseguirem facturar algo mais para os seus orçamentos.
Isto não é dinamização cultural. É concorrência desleal com dinheiros públicos.
A “marca” Loulé - impulsionada por eventos como o MED, o Carnaval ou a Noite Branca - tornou-se uma prioridade orçamental, mas o retorno para quem vive no concelho a tempo inteiro, com salários baixos e pouca mobilidade, é muito difícil de medir.
Com as eleições autárquicas marcadas para outubro de 2025, importa perguntar aos candidatos que se apresentam à liderança da Câmara Municipal de Loulé se pretendem assumir, com transparência e estudos independentes, os custos e eficácia-retorno destes eventos, assim como, qual é a estratégia da autarquia - concelho - associada aos mesmos?
Pretendem manter este nível de despesa em festas, concertos e eventos gratuitos? Vão continuar a competir com o setor privado usando fundos públicos para oferecer cultura de palco? Estão dispostos a submeter os grandes eventos a avaliação independente?
Saberão finalmente os munícipes do concelho qual o valor real gasto no Carnaval de Loulé, Festival MED ou Noite Branca? Ou, nos dois primeiros, supostamente pagos, quantos visitantes pagam e quantos têm direito a entrar de graça?
Não questiono a importância destes eventos na afirmação cultural regional e nacional de Loulé e da sua contribuição para a imagem do concelho. O que eu questiono é a falta de transparência que os rodeia, assim como a falta de uma avaliação séria e independente ao custo-eficácia-retorno das 1001 festas e concertos que acontecem e sobrepõem-se no concelho com o alto patrocínio da autarquia.
A verdade é que por mais que a música continue, há muita gente neste concelho que já deixou de dançar.