André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

O gasoduto ibérico com as interligações ibéricas, apresentado recentemente pelo primeiro-ministro António Costa, como um acordo histórico e uma grande vitória para Portugal, num domínio tão sensível quanto é o da energia, foi imediatamente diabolizado pelo eurodeputado Paulo Rangel, considerando-o como uma traição nacional. 

A interrogação que se coloca é se existem motivos suficientes para esta excessiva polarização de posições, num domínio em que faria sentido um entendimento entre os principais partidos do nosso espetro político? Uma análise objetiva diz-nos que nenhuma destas posições extremadas faz grande sentido, seja a triunfalista seja a derrotista. Até porque o acordo de 2014, que serve de contraponto tem estado completamente bloqueado.  

Face a isso, o acordo em que o primeiro-ministro foi um dos protagonistas, vinculando a França, Espanha e Portugal, vai contornar o bloqueio francês em relação à interligação para o gás natural e a eletricidade através dos Pirenéus, que a França sempre se opôs alegando questões ambientais. Os interesses franceses, muito claros no domínio da eletricidade e da respetiva  integração  internacional, estão respaldados na organização regional conhecida por “Pentalateral Energy Forum”, que acolhe os países do Benelux, a Alemanha, a Áustria e a Suíça, países em relação aos quais as empresas francesas não têm estado interessadas em alargar as interconexões elétricas, dado isso gerar mais concorrência do lado ibérico dos Pirenéus, até porque o poder da indústria nuclear francesa é muito forte.

Tendo em conta este desbloqueamento de princípio, o acordo alcançado afigura-se de grande valia para Portugal em matéria de segurança energética, como muito bem frisou o especialista Agostinho Miranda, para quem o traçado do novo gasoduto BarMar (Barcelona, Marselha) e CelZa (Celorico da Beira, Zamora), torna possível a Portugal aceder a novas fontes de aprovisionamento, nomeadamente em África e no Mediterrânio. Veja-se que desde há cerca de um ano se verifica uma interrupção do fornecimento de gás proveniente da Argélia via gasoduto, em razão de um conflito diplomático entre Marrocos e Espanha. É uma situação de grande vulnerabilidade, porque atualmente Portugal está dependente, em cerca de 50%, do fornecimento de GNL da Nigéria. Nesta perspetiva, o acordo de princípio alcançado afigura-se muito positivo.

Mas, também é verdade que muita coisa está por esclarecer quanto à sua viabilização, estando agendadas reuniões nesse sentido para Alicante, na segunda semana de novembro.  Sobretudo, este acordo também foi apresentado de forma entusiástica como um “corredor verde para o hidrogénio e outros gases renováveis”. Aqui, aconselha-se muita prudência em relação à sua viabilidade a custos sustentáveis. Sem dúvida, que o hidrogénio verde será um vetor energético do futuro e é bom que se invista nesse sentido.

Mas, também é verdade, que ainda está por provar o interesse em fazer circular o hidrogénio em tubagens de muita longa distância, dadas as características do hidrogénio. Seriam necessárias canalizações totalmente novas, e resta saber se existem condições de financiamento, e se tal se justifica. Também não se vê por que razão o hub de Sines é menorizado neste acordo, enquanto infraestrutura da maior importância para o país, mas com valências limitadas no contexto dos terminais de gás ibéricos, a não ser que seja viável a circulação do hidrogénio verde a grandes distâncias. Vamos esperar por novos desenvolvimentos, tanto de natureza política como técnica.