André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

A nova ordem internacional emergente, que tem um acelerador importante na invasão da Ucrânia pela Federação Russa, faz um corte importante com a lógica da globalização que vinha a ocorrer desde os anos 90 do século passado, traduzida, no plano da economia internacional, no desenvolvimento das cadeias globais de valor (CGV) e na integração na economia internacional da generalidade das economias, independentemente dos graus de desenvolvimento e das suas matrizes políticas e ideológicas. Era caracterizada pela fracturação da produção industrial por um vasto número de países à escala global, com realce para a Ásia, e em particular para a China, onde estavam a maioria das cadeias de abastecimento das economias mais pujantes, incluindo os EUA e sobretudo a Europa. Neste contexto, a China afirmou-se a grande fábrica do mundo, naquilo que era conhecido por globalização competitiva, em que as atividades produtivas e aquilo que os vários países contribuíam para essas CGV estava associado à economia de custos, o que também presumia uma forte cooperação internacional independente das matrizes político-ideológicas dos países onde essas produções tinham lugar. Era verdade para produção de máscaras, ventiladores, ou uma componente tecnológica das redes 5 G.  Esse mundo foi curtocircuitado e é improvável volte à linearidade anterior.

Estamos, porventura, a entrar numa nova fase da globalização, em que o mundo se afigura mais fraturado e ao mesmo tempo polarizado em torno do eixo de clivagem China-EUA, em que os imperativos da segurança económica e estratégica se sobrepõem à logica meramente económica das CGV- cadeias globais de valor. No que respeita a tecnologias e materiais críticos, os espaços de cooperação tenderão a privilegiar as empresas, os países e as alianças internacionais que garantem essa segurança económica e estratégica.

É à luz desta nova realidade geopolítica, que também se deve equacionar a decisão do Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço português, que deliberou a 23 de maio, a exclusão das redes 5G de quaisquer empresas com sede em países que não pertençam à União Europeia, à NATO ou à OCDE, o que no plano prático se traduz num veto à Huawei e à ZTE chinesas, mesmo que isso signifique um aumento dos custos para as operadoras, dada a conhecida relação qualidade-custo das empresas chinesas. Deste modo, o Conselho Superior de Segurança do Ciberespeço, na sua análise de risco, em relação ao desenvolvimento das redes 5G reconhece o perigo e as vulnerabilidades de se utilizarem equipamentos e componentes tecnologicamente críticas de um fabricante que permite que o seu governo (da China) exerça controlo, interferência ou pressão sobre as suas atividades em países terceiros em que opera. São os ditames da nova ordem internacional que está a emergir, em que a geopolítica sobreleva a lógica linear das cadeias globais de valor em que assentou a globalização da fase anterior.