Por F. Inez

Os brasileiros têm uma expressão muito interessante … chover no molhado … que nós, em Portugal, também utilizamos, de vez em quando, porque o nosso quotidiano nos leva com muita frequência a insistir nas mesmas preocupações e a transformá-las em autêntica obsessão … precisamente o que hoje me leva a correr o risco de me repetir naquilo que há duas ou três semanas atrás foi o tema da “História acontece …” … o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Quando alguma coisa nos preocupa excessivamente, pode mesmo transformar-se numa situação patológica que configura um quadro clínico muito frequente … o célebre “TOC” … transtorno obsessivo-compulsivo … que parece ser hoje o meu caso … e que foi desencadeado, por um lado, pelo agravamento progressivo, a que diariamente continuamos a assistir, das condições de prestação de cuidados de saúde à população e, por outro, por uma expressão interessantíssima, diria mesmo lapidar, que há dias tive a oportunidade de ler num jornal diário … uma imagem … autêntica metáfora, utilizada por uma senhora enfermeira, e que me atrevo a pensar que poderá ficar, pelas piores razões, na História do nosso SNS.

Todos nós conhecemos a terrível estória do naufrágio do navio Titanic … a tragédia marítima ocorrida no princípio do século passado e que vitimou mais de 1500 de pessoas, ao afundar-se depois de chocar com um “icebrg” em pleno Oceano Atlântico. Esta tragédia ficou celebrizada não só pela sua gigantesca dimensão, mas também mais tarde pelo cinema.

Depois de chocar com o “iceberg” o navio foi-se lentamente afundando, sem qualquer socorro … mas, não obstante o pânico que se foi progressivamente instalando, a orquestra do navio continuou … durante horas … a tocar as suas melodias como se nada estivesse a acontecer. É um pouco a imagem do que há anos se vem passando com o nosso SNS … não obstante a sua degradação diariamente noticiada pela comunicação social … o seu “afundamento” … e por vezes mesmo uma preocupante  tragédia  … o Governo, e em particular a Senhora Ministra da Saúde … e já antes, os governos e ministros anteriores, em vez de olharem de frente para as causas da sua degradação, continuam … por razões ideológicas e outras … com “paninhos quentes” e com discursos mais ou menos eloquentes a apontar pseudo-soluções … e a assistir passivamente ao seu afundamento … tal como o Titanic. Alias é um espetáculo a que diariamente assistimos … em qualquer área da governação do País, os políticos, na sua grande maioria, resolvem os problemas com discursos mais ou menos eloquentes … meras declarações de intenção, mas … entretanto … tudo vai continuando por resolver … e naturalmente a agravar-se … mas para eles … os políticos … a partir das suas palavras, os problemas ficaram resolvidos.

Não nos vamos socorrer da panóplia das estatísticas … uma das grandes “armas” habilidosamente manipuladas pelos sucessivos governos … nem dos longos meses … às vezes anos … dos doentes à espera de uma consulta ou de uma cirurgia … mas a implacável realidade aí está de novo … não bastava já a angústia das grávidas ao ouvir diariamente as notícias dos diversos hospitais sem escalas de urgência e mesmo de outras  a encerrar … como as da pediatria … senão agora a ideia “brilhante”… absurda e provavelmente ilegal … inconstitucional(?) … de contratar médicos indiferenciados … sem a formação da especialidade … para colmatar o quase milhão e meio de utentes sem médico de família … uma promessa sucessivamente falhada … por todos os governos. Infelizmente os impactos profundos deixados pelos dois anos da pandemia do Covid-19 vieram dramaticamente agravar ainda mais a situação, com uma redução de 700 mil cirurgias programadas e 50 mil urgentes, bem como dos rastreios dos cancros da mama, do colon e do reto bem como da vigilância de diabéticos e hipertensos … cujas consequências se virão inevitavelmente a repercutir nas taxas de mortalidade … encurtando a vida dos pacientes.

Para o sofrimento humano daí decorrente … ainda não dispomos de indicadores ou representação numérica! É mesmo o Conselho Nacional de Saúde que vem agora dizer que é a hora de repensar e robustecer o SNS … a necessitar de uma profunda reforma …  e de robustecer os recursos humanos, sobretudo médicos e enfermeiros, mas também organizacionais e financeiros … o setor publico tem de se tornar mais atrativo para evitar a saída contínua dos seus profissionais … em busca de melhores condições de vida e de trabalho.

Ainda estamos a tempo de evitar que se consuma o “naufrágio” de uma das maiores conquistas do 25 de Abril …