Depois das festividades do Carnaval, onde a vida se manifesta e surpreende, escondida entre máscaras, jogos, sorrisos e danças, em relações que nos resgatam e recriam; e depois da celebração do amor evocado no Dia dos Namorados, evento que cada vez mais, de modo sedutor e sinuoso, o comércio publicita e promove, iniciamos um tempo longo de silêncio, cristãmente vivido como o tempo da Quaresma, quarenta dias que nos conduzirão à grande celebração da Páscoa.
Esse acontecimento, que importa saber não ser a festa resgatada por coelhos e ovos de chocolate, pintados e enlaçados a seduzir o paladar, promovida pela cultura contemporânea, mas sim o do grande mistério da vida dada por Jesus Cristo Ressuscitado. Ele é a fonte desse grande evento, indecifrável e misterioso, que tateamos com tanta surpresa e comoção, no qual refazemos e recomeçamos em cada dia o nosso viver.
A Quaresma não é um tempo de rompimentos sem sentido, dado à meditação sobre vazios ou enigmas insolúveis, mas é o tempo oportuno para com maior verdade e atenção, iluminados pela presença de Deus, possamos acolher e assumir a vida como uma passagem cujo horizonte sabemos ser a comunhão plena com Ele.
Os cristãos vivem este tempo como um momento de graça, de “peregrinação interior”, encetando um caminho espiritual, sabendo que “através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”.
É como peregrinos, diante dos desertos da nossa existência, nesses espaços de silêncio e de solidão, que podem ser também lugares da experiência do absoluto; verdadeiramente livres, confrontados com as últimas questões sobre a nossa existência, longe do barulho e da superficialidade; no despojamento humilde e verdadeiro de nós mesmos, abertos ao dom da Vida, que vence a morte; peregrinos de uma história nova, provados mas vencedores nos sofrimentos, com a firmeza da fé e da oração, que desejamos de coração contrito e purificado viver a Páscoa. Nesta peregrinação somos iluminados pela Palavra de Deus e pela palavra da Igreja, peregrinamos ao ritmo de quem celebra a fé, dando a prioridade ao amor.
A verdade da Páscoa dependerá da sinceridade da nossa peregrinação interior. Por isso, importa querer ver a realidade onde tecemos a nossa vida; desligarmo-nos do velho e do que nos enlaça e aprisiona; a destruirmos os falsos ídolos que nos seduzem e iludem; a tomarmos decisões de mudança e compromisso na transformação da vida e do mundo, fazendo lampejar uma nova esperança; a parar para escutarmos a Deus no íntimo do coração, a reaprender a rezar. Importa aprender a fazer da oração a liturgia do coração, o lugar do autêntico encontro comigo mesmo, com os outros e sobretudo com o Deus Vivo.
Rezando, clamamos, suplicamos, pedimos, invocamos, louvamos, agradecemos no espanto de criaturas que receberam e vivem a vida como um maravilhoso dom, fruto da graça divina. Rezamos para alcançar o silêncio de Deus, fonte de toda a vida. Neste tempo aprendamos a fazer da oração, um longo e amoroso olhar para o real. Possamos por ela, aprofundar relações, deixarmos cativar o coração, partilharmos a amizade.
A oração implica um olhar, uma presença, não uma análise, uma descrição ou definição. Quando autêntica, centra-se na substância da vida diária, realiza-se sempre no contexto do amor onde frutifica.