Acordámos com um dia cheio de luz, prenúncio de uma esperança que vencerá a noite. A noite que ainda não vencemos e ontem velou as nossas vidas, longa, fria, surpreendente e inquietante. Embora saibamos que a vida também é feita de transformações, de ciclos, de inflexões, de realidades paradoxais, de convulsões, de gritos de insatisfação e de luta.
O País foi a eleições. Mais de um milhão de portugueses afirmou e fez crescer uma nova força política. Um novo partido que se vem afirmando paulatina e assustadoramente contra o sistema. Elegeram quarenta e oito deputados.
Disseram com veemência, chega! Chega à bipolarização partidária no governo; chega à corrupção continuada. Chega a políticas que não promovem e sustêm uma renovação profunda na justiça, na educação, na saúde.
Segundo o seu líder galvanizado, um “ajuste de contas”. Estes votantes estarão apenas descontentes com o sistema e os partidos do arco da governação? Foi simplesmente um ressentimento?
Que quiseram dizer com o seu voto de protesto? Defendem consciente e culturalmente a política que desejaram exprimir com o seu voto como caminho para novos recomeços? Conhecerão verdadeiramente todos os que fazem parte dessa imensa multidão, a não ignorar nem a relativizar, os conteúdos das propostas políticas que dizem ser fundamentais para a renovação da sociedade, que desejam mais justa e livre, liberta da corrupção e da opressão?
Certamente, muitos não proclamarão nem defenderão uma cultura do descarte, de xenofobia e de racismo como contributos para uma via democrática mais justa, livre, saudável e humanizadora. Serão a verbalização apenas de protesto contra a Imigração, as políticas de habitação, de educação, de justiça e de saúde, ou agentes de uma nova força política? Gente cansada porque ignorada pelas elites ou extremistas?
Que acrescem de democrático e de fecundo à reconstrução do País e às vidas de todos nós? Constituem uma realidade que contribuirá para edificarmos juntos o todo do que somos ou serão apenas expressão de uma estação de tetos baixos? São muitas as vozes que se levantam, desde os que perderam, os desiludidos e os comentadores. Haverá governabilidade futura a garantir estabilidade?
Que quis dizer afinal o povo, que como se diz na canção é quem mais ordena: protestar? Rejeitar um governo de maioria? Inverter o que em abril reconquistámos? Mudar profundamente as Instituições, o sistema e o poder?
Os tempos exigem profunda reflexão e maturação. Cabe agora a todos o dever de sentar, avaliar e reencontrar caminhos de futuro. E sejam quais forem, só poderão ser caminhos verdadeiramente democráticos. Onde a Liberdade conquistada de abril não seja quimera e fique refém do saudosismo e de ideologias. Mas importa saber e dizer que nunca uma cultura fascista, xenófoba e racista rasgará vias de desenvolvimento sustentável, de justo progresso, de decente democracia e de futuro.
Que “o populismo é a doença autoimune da democracia”. E é preciso também que todos os que verdadeiramente se assumem cristãos, o possam proclamar e realizar com a verdade do Evangelho, luz para um pleno e fecundo humanismo e para a fraternidade de um mundo novo, mais livre e justo.