“O escritor vive e morre ligado, não às coisas, aos factos, ao tempo, mas às consequências deles” (Agustina Bessa-Luís)
Avivo estas palavras de Agustina Bessa-Luís no contexto do Dia Mundial da Poesia celebrado no passado dia 21 deste mês de março. É a consequência das coisas, dos factos e do tempo que seduz e move os artistas, os escritores, os poetas, cultores da verdade intacta que cada ser guarda em si.
E como é urgente neste tempo cativo de sentido e de beleza, de altura e de interioridade, neste tempo de inquietante fragmentação, podermos nos reencontrar nas raízes, no alimento, nos frutos e no perfume da consequência das coisas, dos factos, do tempo, no dizer tudo isto na linguagem da poesia! Neste dia que passa quase despercebido porque já não há tempo para o gratuito, o não utilitário, a hospitalidade da luz, convido a que nos interpelemos: Para que serve a Poesia?
Num tempo em que cada vez mais vivemos sôfregos da imagem, de atividade e de consumo, inclinados na obsessão da omnipotência, profundamente capturados pelos tráficos das redes, onde predomina o sensível, o excitante e somos incapazes de desconectar, devorados pela obsidiante solicitação do que dá prazer, da satisfação do imediato, onde já não nos revelamos nas palavras, podemos nos questionar: para que serve afinal a poesia, a sua leitura? Penso que a Poesia serve na medida em que ela é como uma janela, não só uma abertura rasgada para fazer entrar a luz, mas uma verdadeira passagem para o olhar, oferecendo-nos mundos novos.
Ela é uma linguagem sobre a experiência humana, estaleiro de símbolos nos quais se diz a vida e o seu mais profundo sentido, a decifração do real. E por isso é uma espécie de bússola a apontar-nos o norte e o rumo. A Poesia é neste vertiginoso tempo de vazios, perdas e insatisfações como um mapa a revelar-nos na transparência do visível as memórias, o que sobrevive, as experiências, o pensamento. Pode ser um caminho hermenêutico indispensável à busca do sentido e da verdade.
É como água que aviva a nossa sede. A Poesia nos terrenos áridos da existência é como uma árvore, sustenta equilíbrios, interrompe a horizontalidade do chão, faz-nos ascender o olhar. Diz a nossa estatura e altura, a nossa profundidade. E é também um modo de habitar, de cultivar e de cuidar. A Poesia é muitas vezes nas fomes dos dias que passam velozmente e adiam a nossa alegria e felicidade como um alimento. Comendo palavras revivificamos. E assim se torna uma soleira para o infinito. A Poesia é uma verdadeira e indizível epifania que nos debruça num longo olhar sobre o mistério, no assombro. Uma ponte entre mundos. Um convite a que cada um mergulhe para dentro de si. Um silencioso escutar do que se insinua dentro de nós onde reflorescemos e rescendemos a vida!