Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (Bertolt Brecht)

Hoje, parece assistir-se com indiferença assustadora a uma grave implosão cultural e axiológica. Os seus destroços atingem profundamente as pessoas, as famílias e as instituições. Sente-se o seu efeito nefasto na política, na Igreja, em tantos espaços onde se tece a vida. Parece que secaram os rios. E considera-se também violento e sem valor o rio que se pensava ser fonte da vida. Porque parece aprisionar a própria vida e não a defender. Sem poder perante os abismos, as fragilidades, os sofrimentos, a morte. Apregoa-se, por isso, que Deus não faz sentido. Talvez não seja uma realidade. Vive-se como se só a terra importasse. Acredita-se no “humano”.

O centro e valor de tudo é a Pessoa. Mas são poucos aqueles que colocam a si mesmos a questão do sentido das próprias vidas. É mais fácil pensar-se o mundo e a vida a partir das próprias necessidades e vontades do presente, do que vai acontecendo. Já não se estendem as vergônteas da fé até ao mar e os rebentos da esperança e do amor ao grande Rio. Tudo agora se afirma centrado nas margens, na vontade pessoal, nos indivíduos, numa liberdade alicerçada tantas vezes pela ideologia ou um novo modo de pensar que tende a apagar a História, a memória, a Tradição, o percurso dos tempos, as fontes, os fundamentos e diga-se o Cristianismo. Assistimos adormecidos e já conformados à corrupção, à violência, à injustiça e à mentira. Parece que a vida está suspensa.

Agora até já se mudaram os profetas: são eles os futebolistas, os cantores famosos, os líderes malabaristas, os políticos hábeis, os banqueiros, os sacerdotes vedetas sem Evangelho e outros obcecados com os dogmas, as normas e as prescrições. Gastamos muito do nosso tempo a escutar com avidez esses novos profetas a que se juntam também os analistas financeiros a desenharem e a programarem o nosso futuro.

Vivemos cada vez mais divididos e vazios. De estatísticas e de “rankings”, de Comissões de estudo e de Inquérito. Quem não afirma a sua vida pela confiança económica e os mercados, parece se perder na aventura do seu caminhar.

Hoje, contam muito pouco, na edificação das nossas vidas, as pessoas, a não ser sejam ricas e nos garantam status. Parece que a vida se esgota num jogo programado pelos critérios de publicidade e dos interesses de mercado. E assistimos com indiferença ou com uma coscuvilhice mórbida a uma justiça tornada espetáculo em praça pública.

Murmura-se de tudo mas é deficiente o compromisso ético e social. Continua, por isso, a ser urgente repararmos prejuízos que obstaculizam a nossa verdadeira liberdade e felicidade. Melhorarmos e refazermos caminhos, estruturas, a própria vida. Restaurarmos as margens, a cultura, a política, a religião, as Instituições. Procuremos e saibamos alicerçar a nossa existência numa esperança que nos conduza à Verdade e nos liberte das opacidades e do erro, da falsidade e do desespero de vidas perdidas e desprovidas. Importa não agigantar o pó, mas deixar que seja arrastado pela frescura das águas de um rio.