Por F. Inez

Tal como reza a História, o Condado Portucalense, na altura assim denominado para o diferenciar do Reino da Galiza, surge no âmbito da reconquista da Península Ibérica pelos cristãos e oficializado pelo Tratado de Zamora, conquanto, nessa altura, tivesse ainda ficado ligado ao Reino de Leão e Castela. Uns anos mais tarde, aos 14 anos de idade, o Infante Dom Afonso, arma-se a si próprio Cavaleiro, e em 1126, na sequência de desacordos e desavenças familiares, trava e vence a Batalha de São Mamede, contra os partidários de sua própria Mãe, Dona Teresa … e assim nasceu o Reino de Portugal! Poderá, nestas circunstâncias, ser historicamente discutível esta revolta contra a sua própria Mãe … e colocar-se a questão de saber se foi … ou não ... um erro histórico! Mas, como todos sabemos, mudam-se os tempos … mudam-se as vontades … a tal ponto que hoje vivemos uma época em que tudo e todos são postos em causa, em que cada dia prevalece, cada vez mais, a célebre e hoje tão em moda, a chamada pós-verdade … a época do politicamente correto … uma vez que os factos objetivos têm hoje muito menos importância do que os apelos à emoção e às convicções e julgá-los à luz dos valores pessoais … mesmo que completamente despropositados e infundados.

Chega-se ao ponto de afirmar que não há factos, mas apenas versões dos acontecimentos! Aquilo que apenas aparenta poder ser verdade passou a ser muito mais importante do que a própria verdade. Numa era em que o mundo que nos rodeia está a ficar cada vez mais cheio de incertezas, talvez nos possa ajudar esse grande pensador e filósofo da Antiguidade … Aristóteles … que 400 anos Antes de Cristo, já dizia … que “o ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”. Todavia, nos tempos que correm, a sensatez parece estar a ficar cada vez mais arredada da mente e do comportamento humano … a tal ponto que a correção da própria História é hoje cada vez mais usada com fins puramente políticos e ideológicos.

Não obstante a grande maioria dos historiadores entender que se deve evitar o erro histórico de arrancar as pessoas e os acontecimentos da sua época e julgá-los à luz dos valores contemporâneos … vive-se hoje uma autêntica euforia revisionista … e pior ainda, frequentemente negacionista … haja em vista os movimentos anti-vacinas e os negacionistas do Holocausto … um dos maiores crimes e das tragédias da História! Um pouco por todo o mundo se derrubam e se ameaça derrubar estátuas e monumentos que perpetuam momentos importantes … bons ou maus … da vida dos povos. Entre nós discute-se acesamente a existência e a continuidade do Padrão dos Descobrimentos … situado à beira-Tejo e que pretende homenagear figuras históricas da Epopeia Marítima … em particular o Infante Dom Henrique, Gil Eanes, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Bartolomeu Dias, Afonso de Albuquerque e até Luís de Camões e tantos outros …  figuras históricas do Portugal de então … e infelizmente já vandalizado há tempos atrás.

Ultimamente está até a surgir um novo e estranho movimento … o revisionismo literário ... estão a ser reeditadas, depois de corrigidas, obras literárias clássicas! Obras que marcaram gerações estão hoje a ser modificadas para retirar passagens “potencialmente ofensivas” para os leitores modernos. Torna-se preocupante a ideia   de que obras literárias clássicas, de escritores como Luís de Camões, Shakespeare, Cervantes, Tolstoi, Fernando Pessoa, Agatha Christie, Kafka … e tantos outros … possam ser adulteradas em nome de um interesse mercantilista, já que parece não passar de uma estratégia comercial. É um absurdo mudar os clássicos! Face a todos estes movimentos mais ou menos anárquicos e naturalmente preocupantes, não me surpreenderia que algum ideário mais ou menos espúrio venha um dia a propor derrubar a estátua que Guimarães garbosamente exibe do nosso primeiro Rei … Dom Afonso Henriques … Não gostaria de terminar sem dizer, como um dia alguém já afirmou, que a História não se apaga nem se corrige … o que foi … foi! Bom ou mau! Corrijam os homens o futuro porque o passado é irremediável …