Aos 30 anos, junta-se à galeria de bicampeões da prova ‘rainha’ do calendário nacional, sendo acompanhado no pódio pelo seu colega francês Alexis Guérin, segundo a 1.15 minutos, e pelo sul-africano Byron Munton (Feirense-Beeceler), que ultrapassou o colombiano Jesús Peña (AP Hotels&Resorts-Tavira-Farense no ‘crono’ e terminou no terceiro lugar, a 1.51.
O melhor nos 16,7 quilómetros do contrarrelógio de Lisboa foi Rafael Reis (Anicolor-Tien21), já vencedor do prólogo, que deixou Nych a 16 segundos e o norte-americano Tyler Stites (Caja Rural-Seguros RGA), terceiro, a 28.
PERFIL: Artem Nych, o introvertido e afável russo que só sabe ganhar
É caso para dizer que o russo de 30 anos chegou, viu e venceu: hoje, juntou-se à lista de bicampeões da prova ‘rainha’ do calendário nacional, vestindo pelo segundo ano consecutivo a amarela final, depois de ter sido quarto na edição de 2023, a sua primeira.
“Estou feliz por ter conseguido vencer o ano passado, já me deixou mais tranquilo. Sinto que já não tenho pressão para ganhar, porque já ganhei uma vez”, disse à agência Lusa antes do arranque da 86.ª edição.
E essa ‘leveza’ notou-se dia após dia, com o corredor da Anicolor-Tien21 a mostrar-se tão impassível na estrada como fora dela, num domínio absoluto que lhe permitiu liderar a geral desde a quarta etapa, ao contrário do que aconteceu no ano passado, quando precisou de integrar duas fugas – e da fulcral ajuda de Frederico Figueiredo - após um início de Volta desastroso
Mais difícil do que conquistar a sua segunda Volta terá sido lidar com o ‘peso’ da amarela: introvertido, Nych ainda não está à vontade com o ‘estrelato’, embora já se solte mais por saber falar português.
Nesta Volta, confessou aos jornalistas que as duas primeiras foram particularmente difíceis, pois transformar o raciocínio em palavras obrigava-o a um desgaste maior do que subir a Torre – a comparação foi feita pelo diretor desportivo Rúben Pereira e confirmada depois pelo russo.
“Agora, é ‘top’”, lançou com uma das suas características e desarmantes gargalhadas, que contagiam quem o ouve.
Campeão nacional de fundo em 2021, Nych foi ‘resgatado’ pela então Glassdrive-Q8-Anicolor ao desemprego a que foi condenado com o desaparecimento da Gazprom-RusVelo, devido à invasão da Rússia à Ucrânia,
Para chegar aqui, o portentoso ‘gigante’ de 1,95 metros e sorriso rasgado fugiu da Rússia com uma mochila às costas, numa viagem com paragem na Bielorrússia, Cazaquistão, Turquia e, finalmente, Santa Maria da Feira, a cidade onde vive.
De relações cortadas com o pai, apoiante de Vladimir Putin e defensor de uma guerra na qual esperava que o filho participasse, Nych tem na mãe e na irmã, que deixou para trás e nunca mais viu pessoalmente, os seus grandes apoios.
Vindo da Sibéria, mais concretamente da cidade de Kemerovo, onde nasceu em 21 de março de 1995, cumpriu todo o percurso profissional em equipas russas, iniciando-se na Russian Helicopters (2014) antes de mudar-se para a Gazprom-Rusvelo.
Foi na formação ‘nacional’ – contam-se pelos dedos das mãos os estrangeiros que por lá passaram – que Nych conseguiu os melhores resultados, a começar pelo título russo de fundo de sub-23 em 2015, ano em que se estreou a correr em Portugal, ao alinhar na Volta ao Algarve.
Duas vezes 12.º classificado na Volta a França do Futuro, em 2016 e 2017 – nessa época, sagrou-se vice-campeão nacional de fundo de elites -, alcançou alguns top 10 em provas um pouco por toda a Europa, mas viu a sua carreira condicionada também pelo calendário limitado da Gazprom-Rusvelo.
Ciclicamente convocado para a seleção russa, representou a sua nação nos Jogos Europeus e também no Campeonato da Europa, sem nunca conseguir dar o salto além-fronteiras, já que os seus melhores resultados foram registados nos Nacionais: além do título de 2021, ainda foi vice-campeão de fundo no ano seguinte e medalha de bronze no ‘crono’ em 2019.
A extinção da Gazprom-Rusvelo deixou-o desamparado, como tantos dos seus antigos colegas, até que Rúben Pereira o descobriu e lhe ofereceu um contrato – e uma vida – em Portugal.
Frio na estrada, Nych é afável fora dela, impressionando pela cortesia e pela boa vontade com que tenta entender o que lhe dizem, num exercício de perseverança, a mesma que hoje o ajudou a ganhar a sua segunda Volta a Portugal.