André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Com a invasão da Ucrânia, a Europa, altamente dependente do fornecimento de gás proveniente da Rússia, aliás o seu principal fornecedor, via pipeline, sente-se obrigada a procurar alternativas. O gás natural líquido (GNL) surgiu como a alternativa mais viável. E, se a Europa conseguiu refazer uma parte muito significativa das suas reservas de gás, foi por via do GNL que o fez, naturalmente a preços muitíssimo mais elevados. A atentar, nas contas do “Le Monde”, 17.09.2022, as importações de GNL por parte da Europa, aumentaram cerca de 60% no primeiro semestre de 2022. Todavia, a Europa de Leste sem acesso ao mar, está impedida de receber esse GNL através dos “navios metaneiros”, experimentando assim maiores dificuldades em contornar a dependência russa.

A Alemanha tem uma fachada marítima considerável, mas não dispõe de nenhuma estrutura de regaseificação, enquanto Espanha, tem 6 terminais, mas não dispõe de gasodutos de transporte de gás para outros países da União Europeia. É assim que se prefigura a Europa que não conseguiu atempadamente percecionar o risco geopolítico relacionado com a excessiva dependência de fornecimento de gás por parte da Rússia. A Ásia é atualmente o maior importador de GNL, e a China, enquanto país, o primeiro. Há dois países ganhadores nesta matéria: os EUA que, a partir de 2008, com a viabilização tecnológica do petróleo e do gás de xisto, se tornou no primeiro produtor de hidrocarbonetos, tendo a 1ª fábrica de liquefação de gás, sido construída em 2016, e posteriormente tenham surgido uma quantidade significativa de terminais múltiplos para a exportação, que têm estado bastante ativos no fornecimento de GNL à europa; a China, também se afigura ganhadora, porque tem revendido à Europa, a preços elevadíssimos, uma quantidade muito importante de GNL que comprara, a preços baixos, através de contractos de longo prazo.

Fabricar GNL apresenta alguma complexidade, sendo necessário efetuar a purificação cuidadosa do gás natural, depois proceder ao seu arrefecimento, em 3 etapas, até atingir uma temperatura negativa de -163º centígrados. O seu transvase seja em terra ou mar também exige muita precaução assim como o seu acondicionamento que obriga a casco duplo e bem assim isolamento do exterior. No final do processo obtém-se finalmente um líquido neutro e inodoro, exigindo cerca de 600 vezes menos espaço que o gás natural normal. Depois de transportado será regaseificado gradualmente, uma operação tecnologicamente exigente e cara, da ordem dos milhares de milhões de euros. Todo este processo consome cerca de 10% do gás nele injetado, para além de emitir três vezes mais C02 do que um gasoduto clássico.

Entrámos numa batalha global pelo GNL em 2022, de onde não será fácil sair tão cedo. O modelo de negócio do GNL, tem uma vantagem muto significativa em relação ao modelo convencional via gasoduto: a sua flexibilidade. Algures no oceano índico, um navio metaneiro que se dirija para Tokio, pode reorientar a sua rota, por exemplo para Roterdão ou outro porto, mediante uma ordem de compra mais favorável. Significa que o GNL é atualmente, tal como o petróleo, uma “commodity” global, cujo transporte se pode facilmente adaptar às diferentes necessidades dos compradores, variando o preço em função da procura. Num mundo de complexidade e riscos acrescidos, a flexibilidade impõe-se, pelo menos até que se retome uma nova normalidade.