André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Perante a perceção de um certo impasse no campo de batalha da Ucrânia, em que ganha expressão o conceito de guerra híbrida, onde vale quase tudo, mas que passados mais de 500 dias de conflito não se verificam grandes ganhos no terreno para qualquer das partes, seria espectável uma janela de oportunidade para a diplomacia avançar com propostas embrionárias suscetíveis de conduzir à solução do conflito.

A Iniciativa de “Grãos do Mar Negro”, protagonizada pela Turquia, Ucrânia, Rússia e ONU, que tem permitido minimizar alguns dos efeitos mais nefastos sobre a exportação de cereais, dava a sensação de existir aqui uma base para entendimentos mais amplos. Eis, senão, que a Rússia saiu desse acordo do Mar Negro sobre os cereais. E isso vai afetar os preços de alimentos e terá impacto negativo na vida de milhões de pessoas vulneráveis, caso o acordo não seja retomado.

Por outro lado, a fragmentação social e as novas ameaças geopolíticas, assim como a nova corrida armamentista, incluindo o nuclear, constituem também uma boa razão para chamar os líderes mundiais às suas responsabilidades. Foi, porventura, este o contexto que levou António Guterres, na qualidade de Secretário-geral da ONU-Organização das Nações Unidas, a apresentar, no passado dia 20 de julho, a “Nova Agenda de Paz da ONU”, consubstanciada em cinco prioridades e 12 propostas. Apesar de não se vislumbrarem grandes sucessos no imediato, a iniciativa faz todo o sentido, tanto mais que à diplomacia cumpre desbravar caminhos e forjar soluções, mesmo quando não são evidentes, mas que poderão dar resultados a prazo. É nesse sentido que também se justifica a iniciativa de paz do Secretário-geral da ONU.

Em síntese, o que nos dizem as cinco prioridades e as 12 propostas? Desde logo, enfatizam o quadro das tensões geopolíticas e da corrida armamentista nuclear, donde decorre a necessidade de resgatar a paz, num mundo em que se adensam as violações das leis internacionais, bem como novas formas de autodestruição da humanidade.  Agir de acordo com a carta da ONU, afigura-se fundamental para assegurar uma trajetória de paz. Deste quadro decorrem as cinco prioridades traçadas por Guterres: estratégias de prevenção de conflitos; atualização das Operações de Paz; aumento da mediação e da coesão social para preservar a paz; medidas para impedir que novas tecnologias sejam usadas de forma destrutiva, nomeadamente a inteligência artificial; e, a reforma do Conselho de Segurança e outras estruturas de governação internacional.

Naturalmente, que esta proposta relacionada com a reforma do Conselho de Segurança da ONU e um novo quadro de governação internacional é crucial, tanto mais que se assiste ao facto inusitado, de ser um dos cinco membros permanentes com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, a Federação Russa, a invadir a Ucrânia, paralisando o próprio mecanismo de tomada de decisão e de governação. Por isso, num mundo em que a ordem e o sistema multilateral do pós-guerra se desmoronam, sem que se vislumbrem os contornos de uma nova ordem, são muitos os desafios que se colocam, sobretudo aos principais players da geopolítica internacional, no quadro da rivalidade crescente entre os EUA e a China. Entre outras, relevam como aspetos críticos, as questões de segurança e defesa, mas também o imperativo da sustentabilidade associado à emergência climática, a prevenção de eventuais usos indevidos da inteligência artificial e o ciberespaço.