André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Muto se tem escrito e falado sobre a iminente invasão da Ucrânia por tropas russas. O elevado dispositivo militar junto à fronteira é apresentado como um indício desse propósito.

É, no entanto, improvável que isso aconteça, porque Putin é um mestre do xadrez, da estratégia e da guerra da informação, e sabe que não teria ganhos de causa suficientes, acrescendo o facto de se aproximar um momento eleitoral interno em que o Partido Rússia Unida pretende reforçar o poder interno. Uma intervenção teria fortes custos políticos, económicos e de reputação internacional, e não seria porventura o passeio que se viu em 2014, com a anexação da Crimeia.  Aliás, os objetivos que Putin pretende, em grande parte consegue-os sem necessidade de desferir um único tiro.

Sabe que os Estados Unidos não estão disponíveis para intervir diretamente na Europa em defesa da Ucrânia e, sabe também que a União Europeia em termos de segurança e defesa, lhe falta autonomia e capacidade estratégica. E, não menos verdade, as divergências são muitas no seio da Europa, desde logo em razão da forte dependência da Europa do gás russo, nomeadamente a Alemanha em mais de 40% do seu consumo.

O projeto Nord Stream 2, com cerca de 1230 quilómetros, que está a ser construído no mar Báltico é taxativo desta dependência. Não colocando em causa a existência de projetos de cooperação da Europa com a Rússia, a Europa não deve descurar a nível da cooperação, imperativos de segurança económica e estratégica, o que nem sempre acautela. 

O que porventura se vai passar é que a Rússia vai manter pressão máxima sobre a Ucrânia, com concentração de forças na fronteira, e chantagem de guerra. Com isso vai querer garantias de não alargamento da NATO a Leste, sabendo que essa garantia formal não lhe pode ser dada; vai querer assegurar o reconhecimento de que a Crimeia é parte integrante da Rússia; vai também querer a aceitação da independência da região separatista de Donbass. Mais do que isso, o que Putin verdadeiramente pretende é que a Ucrânia não passe de um “Estado-tampão”, frágil e sem grande autonomia em matéria de defesa e segurança, e com um alinhamento pró-russo. Seria uma espécie de capitulação da Ucrânia, passando inevitavelmente por uma mudança política no governo de Kiev e a saída inevitável de Zelenskii.

A acontecer seria um forte retrocesso para a Europa do Leste, para a integração das suas jovens democracias na Europa, e também um retrocesso em relação à trajetória trilhada no pós-guerra fria.  Perante a natureza das ameaças híbridas atuais, que passam pela desestabilização e pela ciberguerra, a Europa vai ter que fazer muito mais para se afirmar como um ator relevante em matéria político-diplomática e de segurança e defesa, dando expressão ao conceito de autonomia estratégica e fazendo da “Bússola estratégica”, um instrumento efetivo para a ação nas áreas de gestão de crises, resiliência, desenvolvimento de capacidades e parcerias.