Ivone Dias Ferreira | ivoneferreira85@gmail.com

Se há alguma coisa que preciso de agradecer à crise que dizem que anda por aí é o facto de poder estar com os meus amigos com mais tempo e em melhores condições.

Eu explico: em AC (antes da crise) juntávamo-nos à sexta-feira à noite para, todos juntos, irmos jantar a qualquer restaurante da moda. Depois, uns copos numa discoteca ou num bar com música ao vivo. E era este o programa que se desenrolava quase sempre da mesma forma.

Começávamos logo com a discussão sobre “onde vamos?”. Nela demorávamo-nos uma boa meia hora, para depois, invariavelmente, decidir pelo restaurante de sempre, exceto se algum novo espaço tivesse aberto ou merecido referências muito elogiosas de alguém conhecido…

Seguia-se a correria para o restaurante, as voltas de carro para encontrar um lugar de estacionamento e a espera por uma mesa…

A escolha do menu, as confusões habituais… “uma dose para nós as duas?”, “mas afinal tu também queres este prato? Porque é que não disseste?”, “bebemos vinho? Branco? Tinto?” “não, não, para mim uma coca-cola”, “que horror, lá estás tu com essa americanice. Sabes que te faz um mal terrível?”, “sei, mas apetece-me”. A confusão generalizada, o empregado de mesa que arrepelava os cabelos para tomar notas corretas, etc, etc, etc,…

Havia sempre o barulho habitual dos restaurantes, as conversas que se cruzavam, os grupinhos que se formavam para que se pudessem ouvir melhor entre eles. Tudo isto trazia autênticas barreiras de comunicação e, já de madrugada, ao chegar a casa, sentia muitas vezes um vazio estranho, uma sensação de que tinha gasto tempo em algo sem sentido. O que retirara daquele pseudo convívio?

De há uns meses a esta parte, já em pleno DC (depois da crise), alguém se lembrou que talvez pudéssemos poupar e começar a fazer os jantares nas casas daqueles que se propusessem a ceder espaço (sala de jantar), mesa, cadeiras e as loiças habituais. Os outros levariam a comida e a bebida. No final todos nos comprometíamos a pôr a loiça na máquina ou a lavá-la, pois então, arrumando a cozinha e tudo o que tinha sido utilizado…

A ideia colheu e estamos todos muito mais felizes. Por causa da crise demos por nós à procura de receitas de cozinha, rápidas e saborosas, fugindo do fast food e das comidas muito condimentadas e com molhos, sugerindo vinhos em promoção, organizando os jantares de forma rotativa. Sem confusão mas com muita alegria todos ajudamos a “pôr a mesa”, a servir as bebidas de entrada, conversamos, temos tempo para falar de nós, dos outros (claro), do mundo, das notícias que nos preocupam, expomos as nossas ideias, ouvimos as dos outros. Crescemos no convívio, aprofundámos a amizade, solidarizámo-nos na dor e na alegria. Partilhamos pequenos segredos, confidências. Enfim, crescemos na socialização. E tudo porque resolvemos poupar...

Abençoada crise que me levou a poder “estar” verdadeiramente e “ser” amiga, companheira e… uma mulher poupada.