Loulé | 30 de maio | Cineteatro Louletano
A habitação ou a falta dela, através de fotografias, humor, ironia, música e três atores em palco, dá corpo a «Diário de uma República III», espetáculo da companhia Amarelo Silvestre a estrear em maio, em que «a casa morreu».
“Tu podes até dispensar uma refeição. Ou duas ou três. Mas de uma casa tu não podes abdicar, nem que seja um cartão para te protegeres do vento. Se há coisa essencial é uma casa ou um sítio a que possas chamar casa”, disse à agência Lusa o ator Fernando Giestas, codiretor da companhia de teatro Amarelo Silvestre.
Fernando Giestas sobe a palco na companhia de Rafaela Santos e Daniel Teixeira Pinto e, em conjunto, assumem-se como “um coro, o coro mais pequeno do mundo” que, ao longo da peça, se vai 'desmembrando' em várias personagens, para se reunirem de novo e retomarem as vozes ampliadas do coro.
No ensaio geral de "Diário de uma República III - A casa morreu", que contou com a presença da agência Lusa, foi possível assistir a um trio de atores que constrói e desconstrói um lar e que rapidamente transporta o público de lugar.
Os três são um casal e um jovem “inquilino”, um artista que, por ser artista, “parece que pode dormir num qualquer quarto, pelo menos é assim que as pessoas entendem, que os artistas são aquele tipo de gente que aceita qualquer espaço” para viver.
Tão depressa estão no interior de uma casa como numa reunião de condomínio a questionarem-se sobre os problemas da habitação, num qualquer comício político a ouvir promessas de que o problema vai ser resolvido, ou numa manifestação - porque o problema não é resolvido -, com cartazes onde pode ler-se, entre outras palavras de ordem, “quem casa quer casa”, “privaram-nos da cidade” ou, simplesmente, “a-casa-lar”, remetendo o público para diferentes reflexões.
Um jogo de palavras é possível ouvir-se ao longo do texto que tem tanto de humor como de irónico e reivindicativo. Levanta questões, impõe reflexão e ainda tem espaço para um outro jogo inevitável, na abordagem do problema - o do Monopólio.
“A vida real é mesmo isso, um jogo, porque mesmo que se esteja contra o capitalismo tu acabas por ter de entrar no sistema e cumprir as regras, mesmo que acabes por alimentar o inimigo”, indicou Fernando Giestas.
No seu entender, o cidadão pode “até ter espírito crítico e estar de uma forma crítica, mas a verdade é que entra no jogo e tem de aceitar as regras, mesmo que tente mudar algumas, o que é sempre muito difícil”.
Ao longo de pouco mais de uma hora, nesta criação coletiva, há ainda uns “telefonemas” ao Júlio - um agente imobiliário de Canas de Senhorim, “muito famoso” na freguesia que acolhe a morada da Amarelo Silvestre, no concelho de Nelas, distrito de Viseu - e que “sabe sempre tudo e resolve tudo”, apesar de, “aparentemente, não haver solução".
"Tudo é uma questão de dinheiro”, mesmo que o inquilino “simplesmente” não queira uma garagem para estar - “porque [afinal] nem tudo é dinheiro” - e “só queira um caminho para andar e esperança” para viver.
Em “A casa morreu” é retratado o “diário de uma República” portuguesa, o dia-a-dia de uma família de classe média e de diferentes classes profissionais que exigem mobilidade e são mais voláteis na sua morada.
A instabilidade é demonstrada - como a de quem dorme numa chamada “cama quente”, em que os cidadãos pagam para descansar umas horas, num colchão que vai rodando ao longo do dia com diferentes pessoas, que a Amarelo Silvestre também retrata em palco.
Em fundo, vão sendo projetadas fotografias sempre de algum modo relacionadas com as situações e as suas personagens. E há a música que “o coro” vai lançando ao longo do espetáculo, com a colaboração do coro Canto e Encanto.
A Amarelo Silvestre vai fazer a antestreia de "Diário de uma República III - A casa morreu", em Canas de Senhorim, “em casa, para a comunidade” que os acolhe, no penúltimo fim e semana de maio, como faz regularmente. Depois irá rumar a Loulé, no Algarve, para a estreia em 30 de maio, no Cineteatro Louletano.
Em julho, nos dias 7, 9 e 11, "Diário de uma República III - A casa morreu" estará em cena no Festival de Almada.
 
 
Lusa