«Voltar a olhar para aqueles reclusos com um olhar vivo, sereno, de esperança e de calor humano» foi o que levou Luís Vilhena a não desistir no primeiro encontro de continuar a trabalhar na Pastoral Prisional da Diocese do Algarve e serviu também de mote para o seu quinto livro que foi apresentado no passado sábado, 29 de março, na Biblioteca Municipal de Faro.
Aquele professor do ensino secundário, que a par da matemática alimenta também a paixão pela escrita, contou que a motivação para escrever esta nova publicação, intitulada “Os Reclusos – um Olhar de Esperança”, surgiu após a “marcante” coincidência ocorrida na sua primeira visita ao Estabelecimento Prisional (EP) de Faro, realizada logo que integrou a equipa da Pastoral Penitenciária da cidade, em dia de aniversário de um recluso, pai de dois filhos, que para além de ter o mesmo nome do seu próprio filho, também completava 23 anos naquela data.
“Ele começou a falar da prisão que tinha dentro de si e de toda aquela amargura. Pensei que podia ser meu filho e isso deixou-me profundamente triste quando sai de lá, a ponto de pensar não voltar mais. Mas havia qualquer coisa que me fazia voltar”, contou o autor, acrescentando ter sido a vontade de transmitir esperança a quem se encontra detido que o motivou a continuar. “Eles precisam de ouvir uma palavra amiga sem juízos de valor. É a nossa missão”, realçou.
Natural de Serpa, mas radicado no Algarve há vários anos, Luís Vilhena contou que começou a escrever e ao fim de um mês já tinha material suficiente para avançar para a publicação que considerou ser “um testemunho”, “um trabalho diferente dos outros livros” em que os únicos pontos de união com eles são a poesia e a reflexão. Explicou também que ter começado a escrever o livro na Quaresma do ano passado “teve alguma influência” por ser um período que convida a olhar para o interior, sendo “um tempo de procura, de mudança e de renascimento”.
O autor referiu-se ainda a outros dois momentos marcantes: a elaboração de um poema sobre o Dia do Pai que foi oferecido naquela data aos reclusos e funcionários do EP de Faro sob o formato de marcador de livro e a visita no Domingo de Ramos à casa de um condenado ao uso de pulseira eletrónica.
O escritor justificou ainda ter dedicado um dos 10 capítulos da obra à alegria sentida após o julgamento que presenciou de um recluso, cuja condenação se ficou pela pena suspensa, e ao acompanhamento que lhe prestou nos primeiros momentos de liberdade, convidando-o inclusivamente a visitar a igreja do mosteiro da comunidade carmelita descalça no Algarve antes de passar com ele pelo EP para apanhar os seus pertences e lhe proporcionar a viagem de comboio de regresso a casa.
Também não foi esquecido na publicação o desafio que lançou à direção do EP de Faro para a realização do workshop de desenho e poesia que resultou numa exposição das criações dos reclusos (também patente naquela ocasião) que chegaram até ao Papa Francisco, merecendo deste uma resposta motivante. “Senti que as nossas visitas ao EP são importantes, mas ainda se pode fazer mais”, testemunhou o autor, explicando que o workshop permitiu uma maior aproximação aos reclusos.
Por fim, referiu-se ao capítulo dedicado à reinserção dos detidos, explicando ter ido também “buscar o que se faz na Alemanha, Dinamarca ou Espanha”. “Investem mais nas terapias psíquicas, no combate à violência nas prisões”, constatou, referindo o exemplo de ex-reclusos que são ajudados com uma renda para pagamento de habitação social. Luís Vilhena disse que em Portugal há prisões com “boas práticas”, incluindo a de Faro, mas lamentou que no país a reintegração social ainda esteja “muito no papel”, acrescentando que a Dinamarca “é um exemplo para se fazer em Portugal mais qualquer coisa”.
O escritor frisou que o livro, trazido à estampa pela editora Cordel d’Prata, termina com a alusão a “um olhar de esperança com fé”. “Se não tivermos esperança, não conseguimos nada. A esperança é a nossa maior arma”, concluiu.
Na apresentação, a diretora da Biblioteca Municipal considerou que a obra convida a refletir sobre a dignidade humana e a reinserção das pessoas na sociedade, lançando a pergunta se o erro está acima daquela condição. “É um livro que nos faz refletir sobre a reabilitação dessas pessoas como uma realidade que se pode atingir”, referiu Sandra Martins.
A responsável do Setor da Pastoral Prisional da Diocese do Algarve, Corinna Cappozzo, que introduziu a obra e leu uma mensagem do bispo do Algarve que não quis deixar de se unir à iniciativa, agradeceu ao autor pela obra que considerou ajudar a demonstrar que os “irmãos detidos” “necessitam antes de mais de um olhar novo, um olhar de esperança”.
A sessão de apresentação do novo livro incluiu ainda a declamação, por Raquel Travia acompanhada à guitarra por Paulo Cabrita, de alguma da poesia do livro.
Folha do Domingo
com Ugo Petteuzzo