Na edição anterior deste jornal procurei elencar aspetos relevantes da nova ordem internacional, evidenciando a emergência de um mundo mais multipolar, menos multilateral, com uma maior fragmentação social e política, a par da deslocação do eixo mais dinâmico da economia internacional, do Atlântico para a região do Indo-Pacifico. Na geopolítica o eixo de conflitualidade entre os Estados Unidos da América e sua rival assumida, a China, polariza muitas das mudanças e tendências em curso.
Este processo foi significativamente acelerado com a “Operação Militar Especial” da Rússia contra a Ucrânia, em fevereiro de 2022. O hediondo ataque do Hamas contra Israel, no passado dia 7 de outubro, pela inevitável retaliação que está a gerar por parte de Israel e pelo impacto que pode ter na região e a nível internacional, afigura-se também um acelerador destas mudanças geopolíticas.
O atentado do Hamas é por muitos interpretado, à luz das conflitualidades no Médio Oriente, como uma operação para evitar a aproximação que estava a ser trabalhada diplomaticamente, entre a Arábia Saudita e Israel. Surge a conexão Irão, Qatar e Hamas, a que não estará alheia a Rússia, como partes interessadas na inviabilização desta aproximação e de uma maior tolerância em relação a Israel por parte de alguns Estados do Médio Oriente e do Golfo. No geral, começa-se a perceber o significado estratégico de uma longa guerra; a privação de grande parte da energia e das matérias-primas da Rússia nos mercados mundiais; o alinhamento mais estreito da Rússia, da República Popular da China (RPC), do Irão e da Coreia do Norte; e o posicionamento das nações em desenvolvimento (especialmente a Índia) tornaram-se mais evidentes.
A globalização, a palavra mágica das últimas três décadas, teve o mérito de ter gerado imensa riqueza e tirado um número sem precedentes de pessoas da pobreza, além de ter integrado economicamente a quase generalidade dos países do mundo na economia internacional, por via das cadeias globais de valor (CGV) que são a sua essência. Sucede que estas CGV têm vindo a ser questionadas por razões se segurança económica e estratégica. A COVID 19 e a invasão da Ucrânia às ordens de Putin colocaram em evidência muitas das fragilidades destas CGV. Passa a questionar-se as cadeias de abastecimento quase totalmente dependentes da Ásia, sobretudo da China, e com isso entra-se numa nova fase da globalização, a que alguns não se coíbem de designar por desglobalização. Esta mudança de paradigma, pode significar um aumento considerável dos custos, uma redução dos lucros das empresas, e um aumento da dívida pública e empresarial num contexto de inflação persistente e de fraco crescimento.
Os governos enfrentarão escolhas difíceis, incluindo se devem priorizar a dissociação (da RPC, ou seja, as suas baterias e tecnologia verde), ou a descarbonização para cumprir as metas Net Zero, e que novas reduções serão mais dispendiosas e mais difíceis de concretizar). A UE enfrenta um sério desafio onde existe uma fragilidade política sem precedentes em cada uma das suas cinco maiores economias e onde o aumento da despesa pública amplificará a fragmentação em toda a área do euro, num momento em que devem ser acordadas regras para um regresso à disciplina da dívida e do défice. São tempos desafiantes e de complexidade crescente.