Perante a publicação do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, que veio alterar o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (vulgo RJIGT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio), com o propósito de facilitar a reclassificação de solos rústicos para solos urbanos,
e devido à desinformação que tem vindo a ser veiculada por parte de inúmeras entidades e agentes, especialmente por parte da comunicação social, com sério prejuízo para os cidadãos, para a economia local e para os serviços municipais, o Município de Silves decidiu emitir o presente esclarecimento público, com a finalidade de clarificar o âmbito da referida alteração legal ao RJIGT, tornar o tema da reclassificação de solos mais transparente e garantir a acessibilidade do público em geral a informação rigorosa e fidedigna, atendendo que está em causa uma matéria tão sensível como é a do aproveitamento urbanístico dos solos e o acesso à habitação.
 
Neste sentido, esclareça-se, antes de mais, que, não obstante estar prevista a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, para o dia 29 de janeiro de 2025, antevêem-se novas alterações ao novo mecanismo de reclassificação de solos rústicos para solos urbanos criado pelo Governo, uma vez que decorre, atualmente, a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, tendo em conta que este diploma legal foi promulgado e publicado sem escrutínio da sociedade civil, sem debate público e sem passar pela Assembleia da República, para além do mesmo constituir, na sua versão originária, e segundo as palavras do Presidente da República, “um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território, a nível nacional e local”.
 
Por outro lado, faz-se notar que a reclassificação de solos instituída pelo Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, sob o pretexto da necessidade de colocar mais habitação no mercado imobiliário, não foi concebida para que qualquer proprietário possa reclassificar o seu prédio rústico para solo urbano, ainda que seja apenas para nele construir a sua habitação, ao contrário do que foi divulgado na comunicação social, com títulos inflamados e afirmações enganosas.
 
Na verdade, a reclassificação de solos rústicos para solos urbanos, para fins habitacionais, estará sempre sujeita ao crivo apertado de um conjunto de requisitos legais cumulativos, cujo cumprimento não está ao alcance do cidadão comum, uma vez que o legislador exige:
 
A promoção da alteração simplificada do Plano Diretor Municipal vigente;
 
A demonstração da consolidação e coerência da “urbanização” a desenvolver com a área urbana existente, donde se depreende que a reclassificação do solo para urbano só poderá acontecer na contiguidade do solo urbano preexistente;
 
A afetação de, pelo menos, 70% da área total de construção acima do solo a habitação acessível ou de valor moderado;
 
A delimitação de uma unidade de execução por via da alteração do Plano Diretor Municipal, que deverá abranger a operação urbanística a desenvolver nos solos objeto de reclassificação;
 
A existência ou a implementação de infraestruturas gerais e locais, bem como a criação dos equipamentos de utilização coletiva necessários e dos espaços verdes adequados para cobrir as necessidades decorrentes dos novos usos; e,
 
A não reclassificação de solos com algumas servidões administrativas e restrições de utilidade pública, embora sejam criadas algumas exceções em áreas de instabilidade de vertentes e áreas estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de aquíferos, o que é particularmente censurável, por prejudicar a qualidade e a segurança das nossas futuras cidades e, simultaneamente, colocar em risco as famílias e os seus recursos e património.
 
Informa-se ainda que, lamentavelmente, só depois do Governo ter aprovado o Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, em reunião do Conselho de Ministros de 28 de novembro de 2024, é que o Município de Silves foi convidado, pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), a emitir o seu parecer sobre o conteúdo daquele diploma legal, o qual pode ser consultado na integra em https://cms.cm-silves.pt//upload_files/client_id_1/website_id_1/Ordenamento%20e%20Urbanismo/Ordenamento/COMUNICADOS%20e%20INFORMA%C3%87%C3%95ES/DOGU_CI_P.pdf
 
No essencial, a autarquia considera que a iniciativa do Governo, vertida no Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, preconiza um retrocesso grave nas práticas e instrumentos de ordenamento e planeamento do território, que não vem aumentar a oferta de habitação, induzindo, antes, um aparente facilitismo na reclassificação dos solos, gerador de mais especulação imobiliária. 
 
 
Ao contrário da política pública que está sendo definida a nível central, o Município de Silves defende que a reclassificação e expansão de solos urbanos deve respeitar a exigência de prévia ocupação, colmatação e preenchimento dos espaços urbanos existentes, ou seja, assegurar que os solos urbanos atualmente disponíveis são efetivamente ocupados e que as áreas infraestruturadas, isto é, onde já foi efetuado investimento público e privado, são aproveitadas e consolidadas, e, só depois disso e em função de tal consolidação, proceder ao aumento da disponibilidade de solos urbanos. 
 
Acresce que o aumento da disponibilidade de habitação, nomeadamente a valores acessíveis ou moderados, deveria resultar da adoção de uma política pública de solos eficaz e efetiva, que, em detrimento do aumento dos perímetros urbanos, garanta que os solos que estão classificados como urbanos (e que são mais do que suficientes para as necessidades existentes) sejam efetivamente utilizados para os fins previstos e estejam disponíveis no mercado a preços acessíveis, fazendo cumprir, quando necessário, a função social da propriedade, o que pressupõe:
 
1. Uma intervenção robusta do Estado no mercado imobiliário, assumindo a sua obrigação constitucional de construir e disponibilizar mais habitação acessível para a generalidade da população, bem como de regular os preços da compra e venda e do arrendamento de fogos habitacionais;
 
2. O aprofundamento dos apoios à reabilitação urbana, incentivando os proprietários a recuperar e reabilitar o edificado que, presentemente, não tem qualquer utilização;
 
3. O uso da política fiscal para incentivar a ocupação de solos urbanos expetantes e penalizar em sede de IMI os comportamentos de inação na construção de novos fogos habitacionais ou na recuperação de prédios devolutos para fins habitacionais; e,
 
4. A revogação da lei dos despejos conhecida por “Lei Cristas”, para proteger os contratos de arrendamento habitacional ainda vigentes.
 
Convenhamos, perante a grave crise sentida na área da habitação, impõe-se, mais do que nunca, que o Estado deixe de ser refém do mercado imobiliário e passe a ser um ente regulador do mesmo, para evitar o estado a que chegamos no que concerne à impossibilidade da larga maioria da população portuguesa conseguir aceder ao direito à habitação.
 
Não é certamente através do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, que cria falsas expetativas junto da generalidade dos cidadãos e introduz facilitismos inconsequentes - visto que é dirigido, fundamentalmente, para grandes promotores ou investidores com capacidade técnica, económica e financeira, que deverão demonstrar a legalidade e viabilidade das soluções técnicas de reclassificação de solos, da implementação da infraestruturação necessária e da conclusão das edificações no prazo de 5 anos (prazo este que, ao que tudo indica, ainda irá ser encurtado) -, que irá ser resolvido o problema atual e de âmbito nacional da acessibilidade à habitação.
 
Em todo o caso, e em coerência com o já referido aquando do 4.º aniversário do Plano Diretor Municipal de Silves (PDM de Silves) (veja-se a este propósito https://www.cm-silves.pt/pt/noticias/31775/4-aniversario-do-plano-municipal-de-silves.aspx ), o foco do Município de Silves mantém-se na monitorização e avaliação da execução e implementação do PDM de Silves, com a elaboração do Relatório sobre o Estado do Ordenamento do Território (REOT), a fim de fundamentar eventuais necessidades de revisão do PDM, e, por essa via, assegurar a adequação e atualização do principal instrumento da política pública de solos do concelho, às dinâmicas atuais e à evolução que se prospetiva a curto e médio prazo.
 
Por tudo isto, apela-se aos cidadãos para que reforcem o seu estado de alerta e espírito crítico em face da desinformação que tem sido propagada, recorrendo, o mais possível, a fontes de informação fidedignas e seguras; sendo que, da parte da autarquia, salienta-se a nossa disponibilidade para a prestação de qualquer esclarecimento adicional e reitera-se que a estratégia de desenvolvimento territorial, em implementação, está a ser objeto de avaliação, de onde irá resultar a alteração ou revisão do PDM de Silves, no âmbito da qual serão dinamizados momentos de participação com toda a população, como tem sido prática recorrente nos últimos mandatos autárquicos.