André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Muito se tem falado sobre o problema da inflação e das medidas para lhe fazer face, por parte do BCE-Banco Central Europeu, que tem a incumbência de conduzir a política monetária da zona Euro.  Se em relação à necessidade de combater a inflação existe um amplo consenso, o mesmo não é verdade em relação à principal medida a que se recorre, a subida das taxas de juro, que se têm feito sentir no último ano e que, provavelmente, ainda se fará sentir ao longo deste ano, porventura com aumentos que poderão ser da ordem dos 50 a 75 pontos base.

Sendo o aumento das taxas de juro o instrumento por excelência ao dispor dos decisores e dos bancos centrais que conduzem a política monetária, é normalmente criticado por ter efeitos recessivos sobre a economia, dado que se destina a reduzir a procura agregada, e por essa via influenciar os preços dos bens e serviços, reduzindo assim a inflação.

Só que a transmissão à economia real desta medida pode ser morosa, como está a acontecer atualmente, tendo efeitos negativos sobre alguns dos segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade, sobretudo quem contraiu empréstimos com taxa varável indexada à Euribor (mais de 90% dos empréstimos contraídos), cujo efeito direto no montante das amortizações junto da banca é imediato. Na verdade, a inflação é uma espécie de imposto escondido sobre toda a sociedade, considerado muito injusto porque afeta do mesmo modo (subida dos preços), tanto os mais ricos como os mais pobres, e estes são efetivamente os mais vulneráveis socialmente.

É por isso, que não deixa de haver alguma hipocrisia política, na reação de alguns decisores políticos, a propósito, das declarações de Christine Lagarde, a presidente do BCE, no recente Fórum de Sintra, quando esta se referiu à necessidade de contenção dos salários para evitar o ciclo vicioso da espiral salários-preços, que todos querem evitar, porque só agrava o problema, mas que nem sempre assumem publicamente.

O atual ciclo de subida das taxas de inflação, na Europa, nos EUA e noutras geografias, está a revelar-se mais persistente do que se previa, e deve-se a vários fatores, muito particularmente os efeitos da pandemia da COVID 19 sobre muitas cadeias de abastecimento, provocando um choque na oferta de muitos bens.

O mesmo efeito teve também a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, com efeitos muito significativos nos preços da energia, dada a dependência de uma parte da Europa central e oriental, do fornecimento russo, mas também as implicações ao nível dos preços dos produtos agrícolas internacionais, pois, como é sabido, o modelo agroindustrial dominante à escala global é muito dependente de matérias-primas, sobretudo fertilizantes, fornecidas pela Rússia, mas também dos cereais fornecidos pela Ucrânia.

Apesar da dificuldade e da persistência, a trajetória de descida da inflação tem vindo a consolidar-se, incluindo em Portugal, que, de acordo com o INE, a taxa de inflação terá descido para 3,4% em junho.

O que não deixa de ser preocupante nalguns produtos, sobretudo alimentares, em que também alguns efeitos da seca contribuem para essa escalada.  Para esta trajetória, que é comum à generalidade dos países europeus, poderão ter contribuído também algumas medidas orçamentais não convencionais, nomeadamente de natureza fiscal, para minimizar os efeitos do aumento dos preços da energia e reduzir a inflação, tratando-se de uma combinação de transferências, subsídios à energia e cortes temporários nalguns impostos. Nesta combinação entre a política monetária, por via da manipulação das taxas de juro de referência do BCE, e da política orçamental não convencional, reside, porventura, o possível sucesso no combate à inflação, fazendo-a confluir para a meta dos 2%, considerada compatível com a estabilidade dos preços.