Ricardo Proença Gonçalves, é licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. É igualmente membro estagiário da Delegação Regional do Algarve da Ordem dos Economistas.

Na atual conjuntura o que importa não é a dívida, é conter o vírus, é salvar vidas, é preservar a vida.

O título é talvez mais um de muitos chavões que têm aparecido nas últimas duas semanas nos jornais, nos artigos de opinião, nos telejornais, onde até os seus pivots têm sido incansáveis na transmissão de uma mensagem de esperança.  

Podemos de certa forma encontrar algum refúgio e conforto na imensidão de palavras de esperança e de fé que circulam nos meios de comunicação social e nas redes sociais, porém, é inevitável não chocarmos de frente com alguns dados e informações que espelham muito bem o que aí vem nos próximos tempos. Podem até ser meras projeções, ou até sondagens, mas devemos considerar que são muito importantes para estarmos conscientes e preparados para o cenário de incerteza que se avizinha para lá da pandemia.

Desde logo, é importante evidenciar os dados da recente sondagem do ICS/ISCTE para o semanário Expresso (março 2020), onde refere que “um em cada cinco adultos já viu a sua situação financeira do seu agregado familiar afetada” e inclusive, “12% dos inquiridos confessaram que, após um mês das atuais restrições, serão incapazes de pagar as suas despesas básicas”. Tudo isto, nos primeiros dias do estado de emergência, ou seja, certamente estes 12% irão infelizmente aumentar.

Convém assinalar também os dados do último Boletim Económico – março 2020, do Banco de Portugal, onde num cenário adverso, as projeções baseadas neste cenário mencionam que o PIB (Produto Interno Bruto) irá registar uma contração de 5,7% no ano de 2020. Há quem ache que o PIB irá contrair muito mais, mas fiquemo-nos por esse valor (5,7%) por agora. As projeções mostram igualmente que irá ocorrer uma forte queda nas exportações e no investimento, bem como uma invariável redução do consumo privado, e aqui neste último indicador, e que a nós consumidores nos diz respeito, as famílias irão reduzir significativamente as despesas de consumo num cenário de muita incerteza, onde o emprego irá cair e os níveis da taxa de desemprego irão ascender para valores semelhantes aos da crise económica e financeira de 2011. Por outras palavras, iremos produzir pouco e isso irá afetar o quotidiano das pessoas.

Face ao exposto, não se pretende ser aqui uma espécie de mensageiro da desgraça, muito pelo contrário. Conscientes das adversidades que se aproximam, devemos apenas estar preparados para possíveis cenários adversos.

Esta pandemia pode ser vista como uma oportunidade, por exemplo, para os empresários, para os gestores, na medida em que esta pode ser uma boa altura para olharem para dentro do seu negócio, ver o que pode ser otimizado e obter sobretudo um grandíssimo e útil feedback dos seus stakeholders (fornecedores, clientes, colaboradores, comunidade local, entre outros) que estão também a enfrentar os desafios impostos por esta pandemia, isto é, seria importante que todos atravessassem esta adversidade em conjunto de uma forma mais colaborativa.

Dado o impacto da ameaça que Portugal enfrenta, futuramente devemos também repensar todo o Sistema Nacional de Saúde e os moldes em que este se assenta, reforçando primeiramente o Serviço Nacional de Saúde (SNS), investindo de forma sustentável em mais recursos humanos e bens materiais, por forma a que se possa continuar a responder às necessidades de saúde dos portugueses sem comprometer a sua capacidade instalada no futuro. 

O SNS também padece de uma reorganização, sobretudo no seu modus operandi, onde é muito importante no futuro maximizar as áreas em que somos a excelência e melhorar nas áreas com mais dificuldades de operação e necessidades de restruturação. Esta pandemia veio destapar o que andava escondido: a ausência de estratégias e planos de contingência que se pudessem pôr em prática de imediato.

Como se tem verificado, tem existido uma estreita colaboração entre entidades de saúde públicas e privadas no combate ao coronavírus em Portugal, onde algumas unidades privadas estão a ceder ventiladores aos hospitais públicos, garantido aqui o mais importante: garantir que o sistema funcione como um todo e em prol de um bem comum - a saúde pública dos portugueses. Devemos, portanto, equacionar que futuramente este relacionamento deva ser preservado a longo-prazo.

Termino, da mesma forma que comecei. O que importa é a vida, e para vivê-la amanhã, é importante que saibamos aproveitar as duras lições que esta pandemia nos está a impor nos dias de hoje.