Na conferência sobre a história da Companhia de Jesus no Algarve, promovida no passado sábado, 22 de março, pela paróquia da Mexilhoeira Grande, o padre António Trigueiros explicou que em 1759, quando ocorreu a expulsão de 1.104 jesuítas do país, sete saíram do Colégio de Faro e cinco do Colégio de Portimão.
Na palestra que fez parte da programação que aquela paróquia preparou para a celebração este ano do triplo aniversário – 500 anos da construção da igreja paroquial, os 50 anos do padre Domingos Monteiro da Costa como seu pároco e os 50 anos do regresso dos jesuítas ao Algarve -, o conferencista acrescentou que a expulsão se deu no dia 14 de fevereiro de 1759, ordenada pelo desembargador que enviou o juiz de fora com 300 soldados de infantaria cercar o Colégio de São Francisco Xavier de Portimão e também o Colégio de São Tiago de Faro.
Na conferência realizada em Portimão, na própria igreja do Colégio, o historiador explicou que os jesuítas expulsos daquela cidade juntaram-se aos de Faro e, posteriormente, aos de Évora e de Lisboa para serem despachados logo nos primeiros barcos para exílio nos estados pontifícios no território hoje pertencente à Itália, o que ocorreu a 16 de setembro daquele ano.
Mas o padre António Trigueiros começou por referir que “o desejo da presença de jesuítas no Algarve remota ainda aos tempos de Santo Inácio [de Loyola], muito embora só se tenha concretizado mais de 40 anos após a sua morte: em 1599”.
Aquele sacerdote jesuíta – licenciado em Filosofia e Humanidades e em História da Igreja com doutoramento em História Moderna, com especialização na história dos jesuítas portugueses no século XVIII – explicou que, após a chegada da Companhia de Jesus a Portugal em 1540, logo os bispos do Algarve manifestaram vontade de que aquela ordem religiosa pudesse vir para a diocese. “Desde 1551 não cessava o bispo D. João de Melo de instar para que se lhe concedesse o que ele avaliava como grande bem para a diocese algarvia”, relatou.
Acrescentando que em 1568 também D. Jerónimo Osório “procurava que se erigisse no Algarve um centro de estudo dirigido por religiosos da Companhia”, o investigador referiu ter sido o padre Cipriano Soares “o primeiro jesuíta que vem ao Algarve” e que escreve uma carta ao padre geral da Companhia a manifestar o desejo do então bispo do Algarve de receber os jesuítas.
O orador deu conta de novos empenhos em 1587 naquela intenção com cartas da Câmara de Faro e dos mareantes àquele responsável dos jesuítas, mas lembrou ter sido só com o bispo D. Fernão Martins de Mascarenhas que a primeira comunidade se abre em Faro em 1599 no edifício que hoje acolhe o Teatro Lethes. O padre António Trigueiros explicou que o antigo bispo do Algarve tinha quatro irmãos jesuítas, sendo um deles, António de Mascarenhas, que veio a ser o primeiro superior da comunidade farense.
O historiador recordou que os jesuítas tinham dois tipos de comunidades: as casas professas, que “tinham de viver apenas de esmolas e dos ministérios e não podiam ter rendas”, e os colégios que subsistiam graças a benfeitores que lhes doavam quintas, beneficiando de privilégios como o de serem sepultados na capela-mor das igrejas. “Sempre que havia desejo de alguma terra de ter um colégio era necessário encontrar nessas terras benfeitores que estivessem dispostos a doar terrenos que permitissem haver rendas para que o colégio pudesse ser gratuito e aberto a todas as camadas sociais”, explicou, realçando que os cerca de 30 colégios jesuítas em território continental e ilhas constituíram a “primeira rede estável de ensino médio” em Portugal.
O sacerdote referiu que em Faro, “para além do bispo, o primeiro doador vai ser o deão da Sé de Faro, Diogo Lopes”, concretamente de um terreno com “casas amplas com vista alegre e espaçosa para o mar, para os campos e para a cidade com uma horta de boa fertilidade no mesmo sítio em que, pouco mais tarde, se havia de edificar o colégio”. “Quando, porém, se tratou de as acomodar para os novos moradores, não ostentavam elas mais do que as paredes erguidas ao alto e denegridas com o incêndio que destruíra a cidade de Faro no assalto da armada inglesa em 1596. Mas o bispo D. Fernão Martins de Mascarenhas, sem que as despesas o amesquinhassem resolveu-se a restaurá-las e as dispôs e aprontou com igreja que também construiu para estância dos religiosos”, referiu, aludindo ao saque protagonizado pelo corsário inglês, Robert Devereux.
O investigador contou que os quatro padres e os dois irmãos jesuítas entraram a 26 de setembro de 1599. “A vinda dos padres tão desejados despertou grande júbilo na cidade. Houve iluminações, corridas de cavalos e outros jogos e prolongaram-se por oito dias as demonstrações de regozijo. Naquele mesmo dia se organizou com devota pompa uma soleníssima procissão em que foram levados da Sé para a igreja da casa professa preciosas relíquias de santas virgens e mártires”, detalhou.
Citando o padre António Franco, acrescentou que “nos princípios de 1601 ateou-se a peste em Faro e durante cinco meses grassou com fúria devastadora”. “O superior da casa, padre António de Vasconcelos, foi aos governadores da cidade e se ofereceu a si e seus súbditos para acudir aos empestados. Aceitaram eles com admiração reconhecida o generoso oferecimento e logo os religiosos se entregaram solícitos à faina caritativa heróica”, prosseguiu, acrescentando que dois religiosos morreram no contágio e que a partir daquela ocorrência “começou a haver ainda maior afeição à presença dos jesuítas na cidade”.
O padre António Trigueiros referiu ter sido no ano de 1615 que a casa professa de Faro, que já acolhia algumas aulas, se transformou em colégio. “Em 1616 abriu Teologia Moral, uma escola de gramática, de retórica, de primeiras letras com afluência numerosa de estudantes”, afirmou.
Aquele historiador explicou que, em Portimão, “no dia 21 de outubro de 1660 se benzeu e assentou a primeira pedra da igreja com solenidade e grande concurso do povo”. “É esse o dia da fundação do colégio”, declarou, acrescentando que “o fundador quis ser um fidalgo rico”, natural da então Vila Nova de Portimão, de nome Diogo Gonçalves que está sepultado no altar-mor da igreja do Colégio e que foram João de Costa e Manuel da Costa que, entre 1660 e 1661, começaram a promover as obras confiadas ao padre Bartolomeu Duarte, matemático e arquiteto.
O conferencista acrescentou que a igreja foi aberta ao culto a 03 de março de 1707 e que o primeiro reitor foi o padre Gaspar da Silva. “Foi soleníssima a inauguração. Em pomposa procissão se levou o Santíssimo Sacramento e por oito dias se prolongaram as festas com músicas, descantes e fogo, não sem regozijo e aplauso da população”, descreveu, acrescentando que durante a construção já funcionava uma escola de latim e que em 1707 deu-se início às lições de Teologia Moral e à escola de primeiras letras.
O padre António Trigueiros contou ainda que o Marquês de Pombal ainda teve o projeto de transformar a igreja do Colégio em Sé, o que acabou por não se concretizar porque o rei D. José I morreu e “nessa altura o colégio é ocupado pelos padres de São Camilo”, cuja ordem religiosa esteve na posse do Colégio de Portimão depois da expulsão dos jesuítas.
Mas a alocução do historiador teve início com a memória do regresso dos jesuítas ao Algarve 216 anos depois da sua expulsão. Foi em 1975 que os padres Domingos Monteiro da Costa, presente naquela palestra, e Arsénio Castro da Silva, falecido em 2012, vieram para Portimão, onde o primeiro ainda continua. Citando um informativo da Companhia de Jesus, o padre António Trigueiros lembrou que o segundo trabalhou como operário na lota de Portimão, concretamente a carregar peixe das traineiras para as camionetas, passando depois a fiel de armazém. “Foi ganhando a simpatia dos trabalhadores e dos marginais, jovens sobretudo, que procuram trabalho e chegam a dormir em porões de navios. O Domingos tem-se dedicado mais à pastoral na Mexilhoeira Grande com atividades sociais como cursos de alfabetização, jardim infantil, comissões de moradores, organização de festas das crianças, etc”, prosseguiu na citação do documento.
Folha do Domingo