Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Abandonaram-me a Mim, fonte de água viva e cavaram cisternas, cisternas rotas, que já não conservam a água” (Jr 2, 13). Misteriosa, pura e simples é a água. Totalmente despretensiosa como que se anula a si mesma para dar vida, lavar, purificar e fecundar. A água é um seio e um regaço para a vida: toda a vida humana inicia imersa nesse líquido amniótico, que em sua composição é parecido com as águas do mar.

Foram as águas que no início da criação separaram, fecundaram e acolheram vidas. A água é um verdadeiro dom. Também o dom do próprio Deus manifestado no Seu Filho Jesus Cristo, que se oferece para extinguir todas as sedes humanas: a sede de felicidade, de amor, de verdade, de liberdade. Hoje, este dom é particularmente suplicado num tempo de profundos desertos e de seca. Em Portugal o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), autoridade que monitoriza este fenómeno refere que atualmente 66% do território nacional já se encontra em seca extrema e 34% em seca severa.

Nos últimos vinte anos, Portugal perdeu cerca de 20% dos recursos hídricos, sendo o Algarve uma das regiões mais afetadas, comprometendo-se aqui a produção tão significativa da amêndoa e da alfarroba. E o agravamento desta situação para a qual ainda não se deu a devida importância e prioridade nas nossas consciências, nas políticas e numa conversão comportamental pode conduzir-nos a uma forçada rotura do fornecimento da água, à diminuição da produção de energia hidroelétrica, a uma erosão dos solos e ao agravamento de condições que podem continuar a favorecer os incêndios, que tanto e tão dramaticamente têm devastado o nosso País.

Juntamente com este nefasto e dramático tempo de seca, assistimos também adormecidos e indiferentes a uma profunda seca espiritual vivendo de cisternas rotas. Quem a mede? Quem se interessa em mitigá-la? Porque vias? Parece que “o essencial que é invisível aos olhos” já não assume grande relevância nas nossas consciências e na edificação das nossas vidas. Já não nos incomoda neste tempo de profundas e inquietantes mutações uma nova sensibilidade da vida e do pensamento marcadas por um sinuoso relativismo axiológico e por ideologias novas a inferirem na edificação da vida e da cultura, onde cada vez mais se impõe e se afirma uma revolução contra a moral da tradição e a tradição da moral. Já não há espaço para as hierarquias, a coerência de pensamento e de opções, um sentimento de pertença, vidas com transcendência.

Vivemos imersos num tempo de liberdades individuais onde aquilo que importa é dar livre curso ao próprio desejo e destino vital e pela unicidade de cada indivíduo, dono do seu corpo, da sua vontade e do seu prazer. Não nos iludamos perante as necessidades evocando sofisticadas razões de rentabilidade e eficácia. Que fonte buscamos na peregrinação da vida sedentos de sentido? “- Olá, bom dia! – disse o principezinho. / – olá, bom dia! – disse o vendedor. / Era um vendedor de comprimidos para tirar a sede. Toma-se um por semana e deixa-se de ter necessidade de beber. / - Porque é que andas a vender isso? – perguntou o principezinho. / - Porque é uma grande economia de tempo – respondeu o vendedor. – Os cálculos foram feitos por peritos. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana. / - e o que é que se faz com esses cinquenta e três minutos? / – faz-se o que se quiser…/ “Eu”, pensou o principezinho, “eu cá se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, punha-me era a andar devagarinho à procura de uma fonte…” (O Principezinho, Saint-Exupéry).