André Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Face à complexidade e evolução dos conflitos globais, o mundo enfrenta uma multiplicidade de crises, desde conflitos tradicionais entre estados até novas formas de guerra híbrida e cibernética. A abordagem multilateral para a resolução de conflitos releva a diplomacia e a cooperação internacional para enfrentar desafios como a proliferação nuclear, o terrorismo e as mudanças climáticas. Essa cooperação também é relevante para fazer face ao aumento do populismo e do nacionalismo, que podem dificultar os esforços de paz e estabilidade global. No entanto, esta abordagem que vinha ganhando tração, no contexto ordem internacional liberal, baseada em valores e regras, apesar das suas vicissitudes, sofre actualmente vários revezes. Caminhamos para um mundo mais multipolar, mas menos multilateral, em que as autocracias ganham espaço crescente, o que dificulta a resolução de conflitos por via da cooperação e diplomacia internacionais.

A força impõe-se à cooperação e à diplomacia. Trump, em funções a partir de 20 de janeiro, encaixa nesta perspetiva, com uma postura “transaccional” na resolução de conflitos, em que prevalece o deve e o haver dos EUA, isto é, “America first”. Face às declarações em que se propunha acabar a guerra em 24 horas, é pertinente a pergunta: “poderá Trump forçar uma paz rápida e justa na Ucrânia? Descartando as 24 horas, que só se compreende no calor da campanha eleitoral, é verdade que os EUA são a maior potência económica e militar do mundo e a Federação Russa o segundo maior exército. Neste sentido, Trump tem alguma capacidade para forçar “a paz pela força”, de duas maneiras: “forçando” a Rússia a sentar-se à mesa das negociações sob pena de “armar a Ucrânia até aos dentes” e, por outro lado, “levar a Ucrânia à mesa das negociações, mesmo que lhe exija que abdique de alguma parte dos territórios ocupados pela Rússia”, ainda que a Ucrânia tenha a última palavra.

Mas, tendo em conta que os EUA têm interesses estratégicos que guiam a sua ação, não é crível que Trump esteja disponível para aceitar grandes cedências territoriais, porque não é essa a imagem de perdedor que Trump cultiva de si próprio e, sobretudo, porque cedências territoriais significativas seria um grave precedente no conflito entre a China e Taiwan. Uma posição de fragilidade com cedências territoriais significativas daria razão à China para invadir Taiwan, na geografia do mar do Sul da China, o que atingiria os interesses e a liderança dos EUA. Por isso, mais do que grandes cedências territoriais por parte da Ucrânia, por imposição dos EUA, poderão estar em cima da mesa, cedências quanto á pretensão da Ucrânia em aderir à NATO, ou a criação de uma zona tampão nos atuais territórios ocupados (reivindicados) pela Rússia, garantida por uma coligação de estados, entre outras soluções. São propostas dificilmente aceitáveis para Putin, para quem a Ucrânia, na lógica do “império russo”, não tem o direito de existir com autonomia estratégica. Pretende o modelo “Bielorrússia” de “estado tampão”. No entanto, poderá ser possível parar a Rússia, ainda que temporariamente. Com uma economia enfraquecida, com taxas de juro acima dos 20% e uma elevada inflação, poderá aceitar uma solução que passe por “congelar” o conflito por algum tempo. Porventura, não haverá solução duradoura e consistente para a arquitectura de segurança e defesa europeia, e para a Ucrânia, fora de uma adesão futura desta à União Europeias e à NATO.