As eleições autárquicas são o ato eleitoral onde de quatro em quatro anos se apresentam e discutem ideias locais que influenciam (e muito) diretamente a vida das pessoas.

Os autarcas locais são o primeiro contacto direto que as populações têm com a política, e isso é de uma enorme responsabilidade, sobretudo para aqueles que se submetem a sufrágio e querem ser a “voz do povo” nos centros de decisão política.

No entanto, e em 45 anos de eleições autárquicas livres, os eleitores, ou o povo, começam a ficar impermeáveis às recorrentes e desfasadas propostas e políticas públicas locais que muitos candidatos vão apresentando, diria que algumas até perderam contacto com a situação real e já não respondem às necessidades atuais de uma sociedade cada vez mais consciente e informada.

Falando no caso em específico de Quarteira, esta cidade apresenta um desafio enorme para todo e qualquer candidato ou candidata à sua Junta de Freguesia.

Quarteira, que outrora fora uma pequena vila piscatória, é hoje uma cidade com uma forte componente turística, possuindo igualmente uma economia diversificada com muitas pequenas e microempresas e, para o bem do seu crescimento e recuperação económica sustentável, na próxima década as políticas públicas terão de ter rasgo e assentar em quatro eixos basilares: economia local musculada, estímulos sociais, cultura e inovação ambiental e tecnológica.

 

1. Economia local musculada

Apostar em políticas inovadoras que possam reforçar o poder económico local existente, atraindo novos talentos para que estes possam acrescentar valor não só aos negócios já existentes, como também contribuir para a criação de novos projetos na cidade. E para isso, é necessário um investimento estrutural para que isto possa ser levado a cabo no longo-prazo, a título de exemplo, através da fomentação de um novo espaço de Coworking na cidade.

Os espaços de escritórios partilhados são uma tendência global que estão a tornar algumas cidades europeias em pequenos hubs de negócios colaborativos, particularmente na sociedade tecnológica e digital, onde microempresas, startups, empreendedores digitais e trabalhadores independentes de diversas áreas como a engenharia informática, marketing ou gestão, aproveitam as externalidades positivas que estes locais potenciam, nomeadamente a geminação e espírito criativo que estimula oportunidades de negócio, networking e de criação de valor, e Quarteira podia aqui aproveitar os chamados “nómadas digitais” - indivíduos que, trabalhando remotamente, aproveitam para viajar e conhecer novos locais – pois a cidade possui já capacidade instalada no setor turístico, contudo falta este género de infraestruturas de Coworking, que podiam em parte ajudar a desenvolver o chamado “turismo de negócio”, um produto turístico um pouco subvalorizado.

2. Estímulos sociais

Promover mais a habitação apoiada, com rendas acessíveis e subsídios. Atualmente existe uma enorme dificuldade em arrendar habitação na cidade, não só para os mais jovens que querem se emancipar, como também para aqueles que escolhem a freguesia de Quarteira para desenvolver a sua atividade profissional, porém, deparam-se com uma enorme dificuldade para encontrar habitação acessível.

Um facto revelador desta situação crítica, são os dados do relatório da Estratégia Local de Habitação no Concelho de Loulé, onde em 2018, num total de 507 famílias a solicitar habitação municipal, 245 dos pedidos são oriundos de famílias de Quarteira. Face à atual crise económica e social certamente estes números devem ser muito mais e urge dar resposta a esta problemática.

3. Cultura

A nível cultural, existe há muitos anos um anseio para a freguesia no que toca à cultura. A ambição de um espaço físico, um centro cultural de partilha para que os diversos agentes culturais e criativos locais possam ter condições para trabalhar em rede com os demais “players” do setor, na importante missão de promover essencialmente a cidade em termos culturais.

Quarteira é, e sempre foi uma terra de artistas de uma enorme diversidade cultural e portanto, mais do que projetar e criar condições estruturais, é importante definir princípios estratégicos para se tirar o maior proveito do investimento futuro em estruturas culturais e educativas. É essencial fomentar a colaboração entre agentes artísticos, a comunidade educativa e cultural, de forma a que possam surgir mais associações e projetos culturais na freguesia, que envolvam a comunidade, criando assim uma maior capacitação para uma cidadania ativa e um compromisso cultural nos setores sociais e económicos.

4. Inovação ambiental e tecnológica

Neste último ponto as linhas mestras já foram lançadas, uma vez que já existe em Quarteira um laboratório vivo, o projeto Quarteira Lab que se insere num programa de Laboratórios Vivos para a Descarbonização, cofinanciado pelo Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e da Ação Climática.

Contudo, mais do que instalar ciclovias e contabilizar o número de ciclistas que nela circulam, seria importante por em prática medidas e ações que possam mitigar o desperdício de água.

A problemática do uso da água em Portugal tem sido recorrentemente debatida, em especial no Algarve, que se confronta com o risco de cenário de escassez nas próximas duas décadas. É por isso importante avançar com investimento tecnológico na adoção de novos equipamentos de precisão e otimização de rega inteligente dos espaços verdes da cidade. Este investimento é exigente, porém há um valor, um benefício subjacente que importa compreender: a água é uma bem sem o qual não podemos viver.

E como se poderão alcançar estes objetivos na próxima década? Com uma forte cooperação política e técnica entre o tecido empresarial local, o setor público, e sem colocar de parte entidades como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, que será o órgão responsável pela gestão da famosa “bazuca” dos fundos comunitários que se avizinham na próxima década.

Assim, é essencial que se diga qual a visão estratégica que se tem para as vilas, freguesias e concelhos.

O futuro é o amanhã que se constrói hoje. E a próxima década é de uma enorme importância para as autarquias locais e para as suas populações.

 

Ricardo Proença Gonçalves, licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. Detém também um Executive Program em Controlo de Gestão e Avaliação de Performance pela Nova SBE. É igualmente membro estagiário da Delegação Regional do Algarve da Ordem dos Economistas.