Por Júlio Sousa - Investigador de genealogia e de história local. | juliotsousa@gmail.com

1. FIXAÇÃO DE TOPÓNIMOS DO INTERIOR DO CONCELHO de LOULÉ

A fixação dos topónimos (designação pela qual é conhecido um determinado local) deveu-se, em muitos casos, ao nome de um cidadão que residiu nesse local e que, por circunstâncias várias, acabou por se identificar com esse local, numa relação muito próxima entre o ambiente físico e a pessoa, apropriando-se a pessoa do espaço e o espaço da própria pessoa.

Esta tendência para a fixação de topónimos a partir do apelido de pessoas encontra numerosos exemplos nas freguesias do interior do concelho, ou seja, na de Alte, Ameixial, Salir e na atual União das Freguesias de Querença, Tôr e Benafim. Como exemplos deste facto podemos adiantar os seguintes: Alcaria do João, Andrezes, Casa Martim Anes, Corte dos Braganções, João Andrés, Monte Brito, Júlia, Monte Guiomar, Monte Brito, Montes Esteves, Montes Viegas, Nave do Barão (Martins), Nave de João Martins, Nave das Mealhas (no original, Nave dos Mealhas), Pero d’Elvas, Revezes, Vale Luís Neto, Vale Maria Dias, etc.

Mas os topónimos também se fixaram por outros motivos, para além da relação entre o ambiente e a pessoa. Com efeito, muitas outras designações de topónimos estão relacionadas com a existência de acidentes naturais ou com a morfologia do terreno (Barranquinho, Cerro das Covas, Covão, Covões, Monte Ruivo, Naves, Pé da Serra, Portela do Barranco, Rocha Amarela, Rocha da Pena, Rocha dos Soídos, Vermelhos, etc.), ou ligados a Portos Secos, onde se pagava o imposto, nos trajetos das antigas vias de comunicação e antes da entrada nas povoações (Cova dos Porteiros, Porto das Covas e provavelmente Porto Nobre). Outros estão relacionados com o cruzamento das antigas vias de comunicação ou caminhos (Corte Bucho, Corte João Marques, Corte de Ouro, Corte Garcia, Corte Neto, Cortiçadas, etc.), outros relacionam-se com a predominância no local de uma certa espécie de árvores, espécies arbustivas ou flores (Amendoeira, Azinhal, Carrascal, Carrasqueiro, Esteval dos Mouros, Esteveira, Freixo Seco, Freixo Verde, Medronheira, Nave das Sobreiras, Quinta do Freixo, Sobreira Formosa, Vale da Rosa, Vale do Álamo, Várzea do Carvalho, Zimbral, etc.). Temos conhecimento de outras designações que nos remetem para a relação com o elemento água, essencial à vida e à fixação das pessoas (Águas Frias, Almargem, Almarginho, Almarjão, Almarjões, Fonte da Benémola, Fonte Grande, Fonte da Seiceira, Fonte Arez, Fonte Figueira, Fonte Filipe, Fonte Morena, Fonte d’Ouro, Fonte Santa, Monte Poço, Ribeira d’Alte, Vale das Poças, etc.). Também há conhecimento de topónimos que estão associados à posse senhorial da propriedade, como são os exemplos de Morgado de Alte, Morgado de Salir, Morgado da Tôr, Pomar, Quinta da Boavista, Quinta do Freixo, Reguengo (Alte), etc.

Por último, outros ainda parecem relacionar-se com a presença, no passado, de uma certa espécie de animais nesses locais (Cavalos, Curralões, Gavião, Javali (S. Brás de Alportel), Monte Curral, Nave dos Cordeiros, Pé do Coelho, Sítio das Éguas, etc.).

Concluímos esta introdução referindo que este fenómeno não é exclusivo do interior concelho de Loulé, estendendo-se, praticamente, às restantes freguesias que fazem parte deste imenso território, sendo também característico, de uma forma geral, a todos os concelhos do mundo rural.

2. SÍTIO OU MONTE LISBOA

O topónimo que pretendemos dar a conhecer neste artigo reporta-se ao sítio ou Monte LISBOA e situa-se, ou melhor dizendo, situava-se na freguesia de Alte, sendo bastas vezes referenciado nos livros paroquiais relativos a esta freguesia.

O topónimo Lisboa aparece ligado ao cidadão Bartolomeu Gonçalves, residente no sítio das Sobreiras, filho de Bartolomeu Gonçalves e Domingas Coelha. Julga-se que Bartolomeu Gonçalves e a sua esposa, Maria Pinheira, a seguir ao seu casamento celebrado a 8 de junho de 1714, na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Assunção em Alte, deveriam ter ido viver para um local muito próximo do atual sítio da Nave das Sobreiras, conforme se deduz da leitura dos registos. Sabe-se também que nesse ano de 1714 o cidadão Bartolomeu Gonçalves ainda não era conhecido por Bartolomeu Gonçalves Lisboa. O apelido Lisboa virá mais tarde.

Com efeito num outro registo paroquial, a 13 de novembro de 1793 no casamento do seu neto João Rodrigues com Maria da Conceição, celebrado na Igreja Matriz de S. Clemente, na então Vila de Loulé, já aparece o nome Bartolomeu Gonçalves Lisboa residente no sítio das Sobreiras, ao passo que o seu neto é descrito como residente no sítio Nave das Sobreiras. Assim, infere-se que Nave das Sobreiras e sítio das Sobreiras não eram o mesmo sítio, mas que deveriam situar-se muito próximo entre si.

E a que se deve o apelido Lisboa? Bem, não temos qualquer evidência que nos permita esclarecer com toda a certeza esta questão. Contudo, não andaremos longe da verdade se afirmarmos, por suposição, que talvez, o cidadão Bartolomeu Gonçalves Lisboa tivesse feito uma deslocação a Lisboa o que, naquela época (cerca de 1720-1750), constituiria um feito espetacular. Uma funeza (!) no dizer do povo.

Com o falecimento de Bartolomeu Gonçalves Lisboa, o referido sítio das Sobreiras vai passar a designar-se por Sítio de Lisboa o qual perdura até cerca dos anos 40 do Século XX, agora com a designação de Monte Lisboa, mas é sobretudo durante o século XIX que este topónimo é referido nos registos paroquiais.

Um desses documentos refere-se ao registo de casamento entre José Martins e Maria da Assunção, realizado na Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Alte, na data de 24 de fevereiro de 1879, ele de 38 anos, natural e residente na Nave do Barão e ela de 22 anos, moradora no sítio de Lisboa, da freguesia de Alte e cujo avô materno, Manuel Rodrigues, é também conhecido por Manuel Rodrigues Lisboa, o qual é descendente do já mencionado Bartolomeu Gonçalves Lisboa.

No princípio do Século XX, mais concretamente em 1910, temos conhecimento da existência de, pelo menos, 2 casais neste Monte e que, provavelmente, terão sido os últimos a residir no Monte Lisboa: Joaquim Gonçalves/ Maria José e José Gonçalves/Maria Guerreira e são eles que irão garantir, com a sua descendência, a presença humana naquele local até ao ano 1942, ano do falecimento de Joaquim Gonçalves, que se julga ter sido um dos últimos, porventura mesmo o último morador no Monte Lisboa.

Efetivamente, com a construção da Estrada Municipal n.º 524-2 (Brotual–Benafim, entroncando na EN 124), o sítio de Lisboa perdeu importância para a atual povoação do Alto Fica, onde também se fixaram pessoas com o apelido Lisboa (sem que este exista nos documentos de identificação), pelo que, com toda a legitimidade, podemos considerar que o sítio de Lisboa é o antecessor do sítio do Alto Fica.

Na carta geodésica do Concelho de Loulé, editada por volta de 1920-1930 (extrato do mapa na figura 2), ainda consta a designação do sítio de Lisboa para o primeiro povoado que deu origem ao sítio do Alto Fica.

Atualmente, os descendentes dessa família Lisboa, encontram-se, essencialmente, no Alto Fica e na Nave do Barão. Mas o apelido Lisboa parece ter-se perdido com o tempo.

Para finalizar, diremos que, na atualidade, o sítio ou Monte Lisboa não tem qualquer morador e é apenas referenciado pela Autoridade Tributária como o da localização de diversos prédios rústicos para efeitos do pagamento dos impostos a que aqueles prédios estão sujeitos.