Por: Miguel Peres Santos – Mestre em Gestão Cultural pela Universidade do Algarve apdsmiguel@gmail.com | Facebook e Instagram @miguelapdsantos

Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, 25 de Abril in 'O Nome das Coisas'

A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA) desencadeou um golpe de estado que colocou fim à ditadura e ao seu regime autoritário designado como “Estado Novo”. O que se seguiu foi um processo revolucionário único e marcante na História de Portugal. Não foi um caminho fácil até à consolidação da democracia. Entre 1974 - com o golpe de estado que levou ao fim do regime -, e 1976 - com a eleição democrática de todos os órgãos políticos locais e nacionais por via de eleições livres -, muitos foram os momentos de tensão, de golpes e contragolpes e de discussão política a que ninguém ficou indiferente, nem mesmo a pequena cidade e concelho de província maioritariamente rural, distante dos grandes centros de decisão política, como era Tavira.

Logo após o golpe militar começaram a surgir aquelas que seriam as figuras que combateram o regime, e que mais tarde se destacariam como as grandes figuras do processo de transição democrática, além disso, realizaram-se as primeiras manifestações políticas e, aos poucos, foram surgindo os primeiros movimentos sindicais, sociais e políticos. Os tavirenses assistiram e participaram nestes momentos, talvez como um dos mais quentes e conturbados da sua história recente.

Os primeiros dias após o golpe militar de 25 de Abril de 1974 foram, em Tavira, de uma aparente acalmia e de reserva nas celebrações, mas as movimentações políticas e sociais estavam em marcha de uma forma mais ou menos discreta.

Após o golpe militar, a atuação dos militares do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria de Tavira (CISMI) foi questionada, o que obrigou esta unidade militar a convocar uma conferência de imprensa, onde os seus oficiais superiores prestaram alguns esclarecimentos.

Nesta conferência de imprensa, foi esclarecido que “desde a primeira hora, isto é, antes da proclamação feita ao País pelo General António de Spínola, já havia aderido ao movimento das Forças Armadas” (Povo Algarvio, Nº 2081, 4/05/1974, ANO XL), além disso, esta unidade militar tinha sido a responsável pela detenção dos elementos da PIDE/DGS no posto fronteiriço de Vila Real de Santo António, e que o encerramento do Quartel Militar nos dias seguintes ao “25 de Abril” deveu-se “a ordens de prevenção emanadas da Junta de Salvação Nacional” (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II).

O golpe militar do “25 de Abril”, apesar de se ter apresentado como um movimento que pretendia afastar todos os responsáveis políticos afetos ao regime, num primeiro momento, pretendeu evitar o vazio de poder a nível municipal. É nesse contexto que o executivo da Câmara Municipal de Tavira, liderado pelo Eng. Luís Filipe Távora manteve as suas funções, assim como a sua equipa de vereadores, composta por Vasco Vieira da Mota, Abílio Costa da Encarnação, José Joaquim Gonçalves, José Emídio Fernandes Sotero e Manuel Gil Fernandes Lapa.

Enquanto aguardavam pelo desenrolar dos acontecimentos, o Presidente da Câmara Municipal de Tavira, tomou a iniciativa de reunir extraordinariamente o seu executivo municipal, a 30 de Abril de 1974 para analisar a situação política após o golpe militar e tomar algumas decisões. O executivo municipal acabou deliberando por unanimidade os seguintes pontos:

“(…) a) Saudar, reconhecer e apoiar a autoridade da Junta de Salvação Nacional e continuar a pugnar pela defesa dos altos interesses, na conjugação de esforços para a continuação das grandes obras;

b) Saudar e desejar à população o maior respeito pela ordem, trabalho e deveres cívicos de todos os cidadãos, para que a acção da Junta de Salvação Nacional seja facilitada a alta missão que foi incumbida

c) Transmitir por telegrama a Sua Excelência o Presidente da Junta de Salvação Nacional, General António de Spínola, esta deliberação, as saudações do povo do concelho e desta Câmara Municipal (…)”

 ARQUIVO MUNICIPAL DE TAVIRA, Livro de Actas da CMT (1974-1975), Sessão de 30/04/1974, Fls. 8-9

Apesar de uma certa tentativa de se colocar “ao lado” da nova situação política, as funções deste executivo municipal foram de mais ou menos dois meses, após esta reunião, pois o Decreto 236/74, de 18 de Junho, imposto pelo I Governo Provisório, obrigava a que os Presidentes e Vice-Presidentes das Câmaras Municipais fossem exonerados e substituídos pelo Vereador mais velho.

Na tarde do dia 18 de Junho, após a divulgação deste decreto, em Diário do Governo, e segundo informações que foram divulgadas à época pelo Jornal “O Tavira”, o Presidente da Câmara Municipal Eng.º Luís Filipe Távora e o Vice-Presidente Vasco Viera da Mota, despediram-se dos funcionários camarários numa cerimónia simples e restrita (Jornal “O Tavira”, Nº 33, 27/06/1974). As novas funções de presidência foram atribuídas ao Vereador José Emídio Sotero, devido ao impedimento do Vereador mais velho, Abílio Costa da Encarnação, tendo sido substituído, por José António de Oliveira.

A primeira reunião do novo executivo teria lugar a 21 de Junho, onde o novo responsável pelo município esclareceu os muitos tavirenses presentes na sala, que as suas funções eram “meramente transitórias” (ARQUIVO MUNICIPAL DE TAVIRA, Livro de Actas da CMT (1974-1975), Sessão de 21 de Junho de 1974, Fls. 40) até à entrada em funções da nova Comissão Administrativa, esclarecendo que não vissem nele “o Presidente da Câmara mas sim o Tavirense que, enquanto investido no cargo, o desempenhará com o maior interesse e devoção pelo Concelho” (ARQUIVO MUNICIPAL DE TAVIRA, Livro de Actas da CMT (1974-1975), Sessão de 21 de Junho de 1974, Fls. 40).

A 10 de Outubro de 1974, a Comissão Administrativa tomava posse, terminando assim as funções deste executivo municipal ainda com ligações ao “Estado Novo”, mas que evitou o vazio de poder e uma transição pacifica para o regime democrático, respeitando assim os anseios da população tavirense. 

No que se refere às organizações políticas, o Movimento Democrático Português (MDP), seria o mais visível e destacado nos primeiros dias após a queda do regime, organizando mesmo uma Assembleia Popular na sala de jantar na Pensão Arcada, em pleno centro da cidade de Tavira. Esta assembleia, entre outras conclusões, deliberou a criação e a nomeação - a nível local - de uma Comissão Executiva Provisória, que prestasse todo o apoio ao Programa da Junta de Salvação Nacional e ao Movimento das Forças Armadas. A Comissão que daqui saiu, era composta por elementos que se iriam destacar a nível político neste período em Tavira, seriam eles: Dr. Dias da Costa (Advogado), Dr. Rui João (Farmacêutico), Joaquim José Valente (Sargento Reformado), Custódio Luz Bernardo (Sargento Reformado), Vitalino José da Silva (Negociante), José Gregório do Carmo (Comerciante), Júlio António Correia (Industrial), José António dos Santos (Solicitador).  

Este grupo deu início à sua atividade política de imediato, decidindo a organização de uma manifestação de apoio ao MFA que se iria realizar a 5 de Maio de 1974, em Tavira, como se pode ler na comunicação feita pela Comissão Concelhia Provisória do MDP de Tavira no Jornal “O Tavira”:

“A Comissão Concelhia provisória da C.D.E. comunica e convida a população de todo o concelho a assistir à manifestação pública que se realiza na Praça da República, em Tavira, no dia 5 de Maio, pelas 16 horas, afim de se comemorar a libertação do País, pelas Forças Armadas, na data histórica de 25 de Abril. – A Comissão Concelhia Provisória” (Jornal “O Tavira”, Nº 29, 3/05/1974, ANO II)

Comunicado do MDP de Tavira, a anunciar a manifestação de apoio ao MFA e ao “25 de Abril” -Fonte: Jornal “O Tavira”

Apesar deste comunicado do MDP a informar que, no dia 5 de maio, se realizaria uma manifestação para celebrar o “25 de Abril”, a população da cidade de Tavira juntou-se para comemorar de forma espontânea no dia 1 de Maio - data comemorativa do Dia do Trabalhador -, instituído feriado nacional pela Junta de Salvação Nacional (JSN), depois de ter sido proibido de celebrar pelo regime do “Estado Novo” durante mais de 40 anos. Nesse dia, uma enorme multidão com cartazes e bandeiras nas suas mãos, percorreu as principais ruas da cidade. Gritando palavras de ordem, percorreu as principais ruas da cidade acompanhados pela Banda de Tavira. Às 18h00, estas pessoas concentram-se na Praça da República para saudar as Forças Armadas, para ouvir de uma das janelas do Edifício dos Paços do Concelho a palavra de alguns reconhecidos e assumidos democratas tavirenses. Começou por usar da palavra Joaquim Teixeira, solicitador em Loulé, seguindo-se os cidadãos tavirenses: José Sequeira, Joaquim Valente, Guilherme Camacho, Eduardo Palma, Dr. Eduardo Mansinho, e Rui Figueiredo, que foram unanimes nas ideias e nas palavras, “centradas na repressão do anterior regime” e nos motivos “que levaram o país a uma crise económica e política” (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II). Depois de ouvidos os discursos e tocado o Hino Nacional por parte da Banda de Tavira, a multidão dirigiu-se para o Quartel Militar do CISMI, como forma de agradecimento aos militares pelo seu contributo na queda do regime do “Estado Novo”, tendo tudo corrido dentro na “maior ordem” e “maior espírito de civismo da população” (Povo Algarvio, Nº 2081, 4/05/1974, ANO XL).

 

Tavira, Praça da República – Manifestação de 1 de Maio de 1974 - Fonte: Jornal “O Tavira”

Alguns dias depois, a 5 de Maio, uma nova multidão voltou a juntar-se na Praça da Republica, desta vez na manifestação de apoio ao MFA e ao programa da Junta de Salvação Nacional, que havia sido convocada e organizada pelo MDP de Tavira. Antes dos discursos, foi lido um comunicado deste movimento, “onde se propunha a demissão de algumas entidades administrativas e escolares” (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II), entre outras conclusões “a apresentar à Junta de Salvação Nacional” (Povo Algarvio, Nº 2082, 11/05/1974, ANO XL).

De seguida, fizeram-se ouvir algumas individualidades ligadas ao MDP. Falou o Dr. Dias da Costa, que se elevara a mentor de todas as movimentações. Seguiu-se Manuel Rodrigues Pereira (de Olhão), João Camacho (de Mértola), Manuel Bom (da Fuzeta) e Guilherme Camacho, que seguiram nas suas palavras o que já havia sido dito no comunicado. (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II). A manifestação terminou ao som do Hino Nacional, dispersando-se a multidão “em ordem, marcando mais uma vez o civismo das gentes tavirenses” (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II).

Em Santa Catarina da Fonte do Bispo, uma das freguesias mais rurais do concelho de Tavira, também fora divulgada no dia 4 de Maio, que haveria uma manifestação no dia seguinte em Tavira, mas a distância entre as duas localidades e o interesse da população em celebrar o “25 de Abril” era muito grande, mas a inviabilidade de deslocação para maioria das pessoas, fez com que a população que se juntasse em grupos. Estas pessoas seriam surpreendidas pela manhã do dia 5 de Maio, com a rua principal e o largo da Igreja inundado de panfletos com palavras de ordem relacionadas com o momento politico que atravessava o país. Pelas 14 horas, a população desta aldeia iria concentrar-se no largo da Igreja para ouvir discursar o reconhecido democrata de Santa Catarina da Fonte do Bispo, Sr. José Gago Sequeira que divulgou a Comissão Executiva do MDP de Santa Catarina da Fonte do Bispo e o Dr. Carrapato, vindo de Faro, e que se distinguia por ser um reconhecido advogado da região. Após estes discursos, a população saiu ordeiramente em desfile pelas ruas da aldeia, dando cumprimento a uma das reivindicações apresentadas pela Comissão do MDP local: dar à rua principal o nome de Rua 1º de Maio e ao largo da Igreja de Largo 25 de Abril. (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II, P. 2). 

 

A Imprensa Tavirense deu grande destaque ao “25 de Abril” e às várias manifestações de apoio ao Movimento das Forças Armadas (MFA)

Após o “25 de Abril”, e seguindo aquilo que ia sendo norma um pouco por todo o país, generalizou-se a organização democrática de diversos movimentos, que tinham como objetivo a reivindicação de medidas de progresso social, político e democrático. Em Tavira, estas movimentações, iriam ter lugar dentro de diversas associações, instituições públicas ou mesmo de forma espontânea em vários sectores da população, um pouco por todo o concelho.

Nos primeiros dias após o golpe militar, alguns grupos ligados ao Movimento Democrático Português (MDP) começaram por sanear as entidades corporativas ligadas ao regime deposto. Alguns desses episódios foram relatados pela imprensa local (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II), como é caso do saneamento da Casa do Povo da Luz de Tavira, onde o Dr. Dias da Costa e o Sr. Joaquim Valente, acompanhado de uma força do Exército, foram aguardados pela direção e por uma multidão de pessoas junto da sede desta entidade. Depois de muitas hesitações e alguma tensão entre as partes, a direção ligada ao anterior regime demitiu-se e logo se realizou o acto eleitoral para escolha dos novos órgãos sociais provisórios que ficariam responsáveis pela transição democrática nesta entidade (Assembleia Geral: Presidente - José Evangelista Cabeçudo; 1º Vogal – Joaquim António Rosa; 2º Vogal – Joaquim Pedro Flor da Rosa / Direcção: Presidente – António Evangelista Tomé; Secretário – Dr. Rui Aboim; Tesoureiro – João da Conceição Fernandes; Vogal – António de Jesus Patarata).

No seguimento de uma deliberação da Junta de Salvação Nacional, que ordenou a exoneração de todos os Capitães de Porto que acumulavam a sua função com a de Presidentes das Casas dos Pescadores - e à semelhança do que passou na Casa do Povo da Luz de Tavira - a 4 de Maio de 1974, reuniram-se em Tavira, para uma Assembleia Geral centenas de pescadores oriundos de Vila Real de Santo António, Castro Marim, Cabanas de Tavira, Santa Luzia e Tavira, todos eles abrangidos pela Casa dos Pescadores de Tavira.

Ao contrário da tensão registada no saneamento da Casa do Povo da Luz de Tavira, esta reunião “decorreu na maior harmonia, tendo assistido, a pedido dos pescadores, o Sr. Comandante Pires Dias, comandante dos Portos de Tavira e Vila Real de Santo António” (Povo Algarvio, Nº 2082, 11/05/1974, ANO XL), que havia sido exonerado do cargo. Dentro do espírito democrático que reinava nestes dias após o “25 de Abril”, a eleição recaiu sobre um representante de cada centro piscatório, ficando a nova direcção constituída pelos seguintes associados: Presidente – José Rodrigues Faleiro (Tavira); Vice-Presidente – João Peres Gomes (Vila Real); Secretário – José da Cruz Calhau (Cabanas) e Tesoureiro – António José Salve Rainha (Santa Luzia) (Povo Algarvio, Nº 2082, 11/05/1974, ANO XL).

A 5 de Maio de 1974, os Bombeiros Municipais de Tavira foram um dos primeiros grupos sociais a reunir neste concelho. Esta reunião contou com a presença das corporações de Faro, Loulé, Olhão, Lagos, Monchique, Portimão, São Brás de Alportel, Silves e Vila Real de Santo António. As corporações presentes decidiram demonstrar o seu total apoio ao programa da Junta de Salvação Nacional e deliberaram que fosse solicitado a reestruturação orgânica dos bombeiros e a dotação de melhor material para o desempenho da sua missão (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II).

Alguns dias após esta reunião, a 10 de Maio de 1974, realizava-se uma Assembleia de Funcionários da Câmara Municipal de Tavira “de todas as classes e categorias (secretaria, tesouraria, obras, fiscalização, matadouro, serviços externos, etc.” (Povo Algarvio, Nº 2083, 18/05/1974, ANO XL), com o objetivo de eleger um representante para a Comissão Distrital que iria trabalhar na organização do Sindicato Nacional dos Funcionários Civis e Administrativos do Estado.

Os funcionários da Câmara Municipal de Tavira presentes resolveram nomear o seu representante “democraticamente e por escrutínio secreto” (Povo Algarvio, Nº 2083, 18/05/1974, ANO XL), tendo a escolha recaído no Chefe de Secretaria, Manuel José Romana Martins, decisão votada por unanimidade e esclarecida pela respetiva Assembleia através do seguinte comunicado:

 “Ao tomarem esta decisão, desejam os funcionários da Câmara Municipal de Tavira, no actual momento que o País atravessa em que se houve e lê com certa insistência o pedido de demissão de directores e chefes de diversos departamentos e serviços, manifestar ao seu chefe de secretaria de diversos departamentos e serviços, manifestar ao seu Chefe de Secretaria Sr. Manuel José Romana Martins, o total apoio e confiança de todos, podendo continuar a contar com o maior carinho, colaboração desinteressada e firme vontade de o ajudar no prosseguimento da obra em que tem sido trabalhador incansável para o bem comum e progresso do nosso concelho. Nesta manifestação, sincera e voluntária, ainda é justo realçar o facto do Sr. Romana Martins que não sendo de Tavira e somente aqui trabalhando há cerca de dois anos, ter dado o maior esforço, inteligência e grande vontade, muitas vezes com prejuízo da sua vida particular, na defesa dos interesses de Tavira e dos seus subordinados, como se nosso conterrâneo fosse.” (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II)

A necessidade da divulgação de um comunicado na imprensa para esclarecer e justificar a escolha, fazendo com que o mesmo fosse divulgado junto da população, demonstra por parte da Assembleia de Funcionários da Câmara Municipal de Tavira, alguma preocupação. A escolha de uma figura que havia sido nomeada chefe de departamento pelo anterior regime poderia causar algum ruído entre os mais fervorosos democratas, podendo mesmo gerar e levar a alguma revolta em alguns sectores da população, e este tipo de situações num momento como este teria de ser evitado, pois além de questões de ordem pública, estava acima de tudo, a credibilização de algumas personalidades locais.

Após a eleição do seu representante na Comissão Distrital, cerca de noventa funcionários municipais iriam novamente reunir a 17 de Junho de 1974, desta vez para demonstrar preocupação junto do Ministro da Administração Interna dos problemas administrativos que o município tinha, assim como demonstrar o desagrado pelo processo de constituição da Comissão Administrativa, propondo a maioria dos funcionários uma “consulta popular democrática” que constituiria uma solução para o “problema sucessão administrativa”. (Jornal “O Tavira”, Nº 33, 27/06/1974, ANO II).

Na mesma reunião, foi também constituída uma equipa mais representativa da Câmara Municipal de Tavira na Comissão Distrital, que iria organizar o Sindicato Nacional dos Funcionários Civis e Administrativos do Estado, essa equipa seria constituída por, Manuel José Romana Martins; Joaquim Eduardo Rocha Dinis; Daniel da Silva Madeira (pela Câmara Municipal); George Alberto Soares Rosado; Manuel Guerreiro Gonçalves e Virgílio dos Santos Germano (pelos Serviços Municipalizados) (Jornal “O Tavira”, Nº 33, 27/06/1974, ANO II). 

As decisões que foram tomadas pelos funcionários municipais na reunião de 17 de Junho de 1974, foram divulgadas na imprensa local, assim como a mensagem enviada ao Ministro da Administração Interna – Fonte: Jornal “O Tavira”

Estas decisões e sobretudo a divulgação pública da mensagem enviada ao Ministro da Administração Interna, por parte desta assembleia de funcionários, originou uma grande revolta por parte dos membros da Comissão Concelhia de Tavira do Movimento Democrático Português (MDP).

Foi através de um comunicado, distribuído pela Cidade de Tavira no dia 20 de Junho de 1974, intitulado “À População de Tavira – Quem são eles e o que querem”, que o MDP atacou aquilo a que se poderia dizer de tentativa de condicionamento por parte de algumas figuras dos serviços municipais à constituição da Comissão Administrativa que iria gerir a Câmara Municipal de Tavira até à realização de eleições livres para as autarquias locais.

Nesse mesmo comunicado, o MDP acusou mesmo alguns dos funcionários municipais de “serventuários fiéis do fascismo em Tavira” que “continuam as suas manobras contra revolucionárias”, nomeando ainda Daniel da Silva Madeira, funcionário da Secretaria da Câmara Municipal, e Manuel José Romana Martins, chefe da Secretaria da mesma, como organizador e autor da mensagem enviada ao Ministro da Administração Interna, aprovada pela Assembleia de Funcionários da Câmara Municipal de Tavira e que havia sido publicamente divulgada em diversos meios de comunicação social (Povo Algarvio, Nº 2089, 29/06/1974, ANO XLI).

O MDP considerou uma provocação a mensagem que havia sido divulgada, pois a mesma “onde invocam a democracia”, estava “enquadrado nas actuações de traição à Revolução que em Tavira, como em todo o país, se têm verificado” (Povo Algarvio, Nº 2089, 29/06/1974, ANO XLI).

Como forma de justificar estas acusações a estas personalidades, o MDP divulgou, junto ao comunicado, as suas duas supostas fichas de sócio da Acção Nacional Popular (ANP), partido único do regime do “Estado Novo” e que havia sido dissolvido logo após o “25 de Abril”, sendo que os seus membros estavam “impedidos de participar em qualquer processo ou organismo de saneamento da vida pública portuguesa” (Povo Algarvio, Nº 2089, 29/06/1974, ANO XLI).

O que os funcionários municipais tentaram evitar com o primeiro comunicado após a eleição de Manuel José Romana Martins como representante na Comissão Distrital para a organização do Sindicato Nacional dos Funcionários Civis e Administrativos do Estado, acabou por acontecer, não apenas pela escolha de uma figura que havia sido nomeada chefe de departamento pelo anterior regime, mas também pelas palavras de apoio à democracia e na suposta ingerência na nomeação da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Tavira, que o MDP e grande parte dos democratas tavirenses não tolerava e nem permitiria

 

 

 

 

Comunicado do MDP de Tavira, intitulado “À População de Tavira – Quem são Eles e o que querem”, de 20 de Junho de 1974 – Fonte: Povo Algarvio

Além destas, muitas manifestações e reuniões políticas, sociais e reivindicativas poderiam ser aqui referidas tiveram lugar na cidade e no concelho de Tavira, com destaque para o sector do comércio e serviços, por serem as atividades com maior peso na economia local da época.  Estes acontecimentos demonstram um período em que todos estavam empenhados em construir uma sociedade mais igualitária e com mais direitos para todos, levando muitas vezes a alguns excessos, mas que é típico de qualquer processo revolucionário e de uma vontade dos cidadãos em construírem a liberdade e a democracia segundo os seus valores e ideais.