André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Vivem-se tempos preocupantes e perigosos em razão da fragmentação social e política que perpassa as nossas sociedades, assim como a erosão da ordem internacional baseada em regras, que prevaleceu desde a 2ª guerra mundial, uma era de relativa tranquilidade e paz.

O espaço democrático está sobre forte desgaste com a emergência das narrativas extremistas, sobretudo de extrema-direita, incentivadas financeiramente e politicamente por países com regimes autocráticos.

Estes, têm vindo a tornar-se manifestamente mais agressivos e a ganhar espaço de manobra internacional, desde a invasão da Ucrânia, com ameaças que só têm paralelo com o que se passou na Europa nos anos 30 do século passado, e com narrativas não muito distantes das que Goebels se notabilizou.

O regime de Putin, com apoio de outros (China, Irão, etc) imbuídos no mesmo propósito de fragilizar a ordem internacional que se revê nos valores da democracia, é atualmente um forte catalisador desta hostilidade. Vejamos os contornos de algumas destas manifestações:

(i) o rasgar assumido de compromissos internacionais consensualizados (Memorando de Budapeste sobre Garantias e Segurança; Protocolo de Minsk), e sobretudo a Carta das Nações Unidas;

(ii) exacerbação desenfreada do nacionalismo e retóricas revanchistas, fomentando grupos extremistas, incluindo formas de fanatismo religioso e retrógrado, e o antisemitismo;

(iii) repressão violenta, massiva e sistemática para esmagar a oposição política ou quaisquer dissonâncias que não se enquadrem no contexto totalitário pretendido (incluindo sórdidos assassinatos e outros crimes violentos em qualquer parte do mundo);

(iv) controlo total da narrativa (interna, externa e à escala mundial), aspeto hoje muito potenciado pela guerra de informação  no “ciberespaço”, como por exemplo o recurso à novilíngua, a  “desnazificação”, o termo usado para atacar os ucranianos que resistem, isto é dizer tudo ao contrário com desinformação total;

(v) expansionismo territorial, com teorias tipo espaço vital, muitas vezes fruto de relações históricas desiguais que favoreciam o agressor, a partir da existência na proximidade de minorias russas noutros países (Ucrânia, Geórgia, Moldávia, etc.), supostamente discriminadas;

(vi) ingerência crescente e imparável noutras regiões do mundo (Síria, Sahel, etc.) dentro de uma lógica de “guerra total e permanente”; (vii) chantagem nuclear e a ameaça constante de fabricação de armas de efeitos ainda mais destrutivos e letais;

(viii) criação de grupos armados paralelos, comportando-se como autênticos exércitos, à margem de qualquer lei, com os quais cinicamente se faz o trabalho mais sujo (Grupo Wagner, chechenos e outros grupos mercenários); e

(viii) utilização instrumental, mas estrategicamente pensada, e em grande escala das relações económicas como modo extorquir concessões políticas e manter e/ou reforçar laços de dependência e subordinação política (por exemplo, armadilha da dívida, uso dos fornecimentos da energia, armas e cereais), processo que o regime de Putin teceu meticulosamente em mais de duas décadas de poder, antes de desencadear a guerra.

Na, verdade, vivem-se tempos e situações preocupantes, e perigosas, que importa conter e inverter, para que as ditaduras não levem a melhor sobre as democracias.