André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Após um ano de invasão da Ucrânia, sob a designação oficial de “operação militar especial, às ordens de Putin, o conflito não tem fim à vista, apesar de alguns esforços tímidos da diplomacia internacional, como sucedeu recentemente com a proposta de paz em 12 pontos apresentada pela China.

O balanço é dramático:  21.293, é a estimativa de baixas civis na Ucrânia desde o início da guerra; 8,1 milhões, a estimativa do número de refugiados da Ucrânia registados em toda a Europa; e, 54,9 mil milhões de euros, a ajuda financeira, humanitária e militar prometida por países e instituições da União Europeia. Esta “guerra justa contra o Ocidente” como é assumida pela Rússia, para além de injusta e ilegítima, viola o direito internacional, consagrado na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), tanto mais que foi desencadeada por um membro permanente do seu Conselho de Segurança que, supostamente, deveria ser garante dessa mesma ordem. 

No plano político-militar e geopolítico, os objetivos da invasão não só não foram atingidos como tiveram um efeito completamente contrário ao esperado. Embora os objetivos nunca tivessem sido explicitados, tudo indica que Putin quisesse reduzir a Ucrânia a um Estado tampão (Buffer State) à semelhança da Bielorrússia, sem qualquer autonomia estratégica.

A perceção da Rússia é que tudo se resolveria com grande celeridade, pois, tal como na Crimeia em 2014, a Ucrânia soçobraria rapidamente, e em Kiev, seria colocado um “governo amigo”, também ele às ordens de Putin. Assim não aconteceu e a Ucrânia demonstrou ter povo, disponível para combater pela liberdade e pelos valores da democracia. A memória da política do Holodomor (matar pela fome), um genocídio do povo ucraniano levado a cabo pelo governo soviético no tempo de Estaline (1932-33), em que 7 a 10 milhões de ucranianos terão sido mortes, roubando-lhes e/ou destruindo-lhes os cereais e outros alimentos, estava-lhes no ADN. Acresce que a Ucrânia, fruto das vicissitudes do processo político desde a sua independência em 1991, dava a aparência de um estado com grandes fragilidades. Esta guerra, tem sido a oportunidade para a construção de um estado forte, e nesse aspeto, Zelenski, o herói improvável, tem sido um exímio ator deste processo transformacional.  Noutra perspetiva, esta guerra teve o efeito contrário ao pretendido. Na narrativa da Rússia, a NATO perto das suas fronteiras seria uma ameaça insustentável.

O que está a suceder é que, a NATO, que fora dado quase como moribunda, até por líderes europeus, está hoje mais forte e, países que sempre se afirmaram neutrais, como a Suécia e Finlândia, pediram a sua adesão à NATO, como condição de segurança das suas fronteiras e da autonomia estratégica, em razão do seu art.º 5º que considera a solidariedade coletiva. Esta é uma guerra existencial para a Rússia, para quem a Ucrânia não tem razão de existir fora do controlo russo. Mas, esta guerra, por maioria de razão, tornou-se, também, uma guerra existencial para a Ucrânia, pois se for derrotada é a sua autonomia estratégica que estará em causa, por muito tempo. Sendo esta uma guerra híbrida, em que vale tudo (ciberguerra, drones, contra-informação, …), vai ser no campo de batalha que muito se vai decidir nos próximos meses, marcando posicionamentos político-militares até que a diplomacia tenha condições para atuar. Vai ser muito difícil para a Ucrânia fazer face ao “tapete de explosivos” russo, dada a discrepância de armamento e combatentes. Mas, com a solidariedade ocidental, na luta do “fraco” contra o “forte”, a Ucrânia poderá resistir, reganhar a sua autonomia e liberdade plenas, e afirmar-se como estado moderno, democrático, independente e mais forte.