por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

O assunto parece ter passado relativamente despercebido dada a abundância informativa concentrada nos incêndios que deflagraram recentemente em Portugal, contudo é preciso olhar com especial preocupação para o resultado das eleições austríacas.

No passado dia 15 de outubro, os cidadãos austríacos afluíram às assembleias de voto para eleger a composição parlamentar e o seu novo executivo. Sem muitas surpresas em relação àquilo que se projetava através das sondagens, o partido político de Sebastian Kurz (ÖVP – um partido conservador de índole democrata-cristão) saiu vitorioso, ainda que distante de uma maioria absoluta.

O resultado das eleições legislativas austríacas deixou patente a necessidade de se alcançar uma solução governativa estável, a qual somente se afigura possível através da formação de uma coligação com um dos restantes partidos políticos.

Para tal, Sebastian Kurz dispõe de uma de duas soluções: coliga-se com o segundo partido mais votado, o Partido da Liberdade da Áustria (FPO – partido político de extrema-direita), ou, em alternativa, (re)cria a coligação que até então manteve com o Partido Social-Democrata da Áustria SPÖ do ex-chanceler Christian Kern.

Todavia, a opção por uma destas alternativas parece estar longe de ser óbvia por duas razões essenciais: em primeiro lugar, porque Christian Kern afirmou que caso o seu partido não vencesse as eleições, não estaria disponível para (re)criar uma nova coligação com o partido de Sebastian Kurz; e em segundo lugar, porque é plenamente visível que Kurz, perspetivando o momento favorável para o seu partido, pretendeu despejar-se de uma solução governativa que incluísse o Partido Social-Democrata da Áustria SPÖ. Resta (aparentemente) uma única saída: uma coligação com o FPO (partido de extrema-direita).

Embora estejamos no plano meramente interno de um Estado-membro, a situação política austríaca é preocupante não só porque releva um novo fulgor da base eleitoral da extrema-direita (que se julgava derrotada aquando das eleições presidenciais que colocaram Van der Bellen na presidência), como coloca na ordem do dia alguns dos temas que sempre fragilizaram a União Europeia: a imigração e o eurocetismo.

A repercussão da política interna austríaca galga as suas fronteiras, e fomenta o expansionismo dos ultraconservadores e das políticas de extrema-direita, aguerridas defensoras das mais limitadas políticas de imigração e da política centrípeta dos Estados-membros em relação à União Europeia. Neste sentido, basta ter presente o resultado que a extrema-direita alcançou recentemente na Alemanha, tendo em conta que grande parte do resultado eleitoral alcançado alicerçou-se na recusa da – tendencialmente permissora – política de imigração de Angela Merkel. 

A mera constatação de um padrão e de uma tendência, é sinal de preocupação suficiente, relembrando, neste âmbito, as valiosas lições que a História europeia nos tem para oferecer. A ascensão das políticas de extrema-direita e do crescente eurocetismo que não se revê nas políticas comunitárias desemboca no sentimento de vexame e de inoperância com que o regime nazi se ergueu. 

O precedente existe, é recente, e por certo evitável no seio de uma Europa que, não obstante de todas as suas imperfeições, é uma Europa mais livre e mais global. Desejar o seu contrário, é certamente a receita para o seu fracasso, e é por isso que a realidade e as circunstâncias políticas ditam que sejam as instituições europeia a assumirem uma responsabilidade que, não lhes sendo primeiramente devida, lhes é por certo imposta.

Não resta somente esperar para ver o que irá acontecer de ora em diante, é preciso, desde logo, criar condições para mitigar os sentimentos dos eurocéticos e tornar a União Europeia uma realidade mais próxima dos Estados-membros.