André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

A invasão da Ucrânia às ordens de Putin, para além do bloqueio dos portos ucranianos, desencadeou uma sequência de sanções e contrassanções com fortes impactos, diretos e indiretos, no plano alimentar, agravadas por condições climatéricas adversas em várias regiões do globo, e por alguns países, fora do conflito, fecharem a torneiras das suas exportações de cerais.

É atualmente frequente confrontarmo-nos com subidas de preços de fertilizantes e diversos cereais da ordem dos 300% no espaço de um ano. Com o prolongamento da guerra na Ucrânia poder-se-á estar no início de uma crise alimentar global que ameaça muitos países e regiões do globo, em que as economias mais frágeis, como sucede numa parte significativa do continente africano, são as que correm maiores riscos alimentares.

O ministro italiano dos negócios estrangeiros, Luigi di Maio, não se coíbe de dizer que começou "a guerra mundial do pão", na sequência do bloqueio de cereais na Ucrânia, com o risco de novos conflitos em África, caso a situação se agrave.

O bloqueio das exportações de cereais da Ucrânia e muito particularmente a escassez de fertilizantes químicos nitrogenados está a gerar uma crise sem precedentes nas produções agrícolas. Na verdade, os fertilizantes têm sido os responsáveis pelo forte incremento da produção global de cereais, desde a revolução verde iniciada nos anos 60, e não menos verdade pelo maior crescimento populacional humano de todos os tempos. Atualmente é um produto escasso, e tanto agricultores como empresas de fertilizantes e governos, um pouco por todo o planeta, estão a tentar evitar a perda aparentemente inelutável de muitas das colheitas. Em conjunto, a Rússia e a Ucrânia produzem quase 30% do trigo comercializado no mundo inteiro e 12% das calorias.  

A Rússia é responsável normalmente por quase 20% dos fertilizantes nitrogenados do planeta e, conjuntamente com a Bielorrússia, 40% do potássio exportado em todo o mundo. Sucede que muitas destas exportações não chegam aos agricultores de diversas regiões do mundo, devido às sanções e contrassanções recentes no contexto da invasão da Ucrânia. E, além da escassez são os preços, cerca de 80% mais elevados do que a média de 2021, embora com picos muito superiores, que colocam a produção agrícola em causa em muitas regiões, dado que os agricultores não dispõem de rendimentos suficientes para comprar fertilizantes para os seus terrenos.

Tudo isto conjugado com o aumento dos custos de energia, sem paralelo nos anos recentes, está criando um quadro de crise cujos efeitos só agora se começam a perceber. E nenhuma região do mundo está imune aos efeitos desta crise, tendo em conta as cadeias de valor e os modelos de negócio no domínio da produção de grãos em geral. Veja-se, por exemplo, que os agricultores africanos, embora sejam dos que em média utilizam menos fertilizantes por hectare, têm alguns dos rendimentos mais baixos, nomeadamente para o milho e outros grãos que fornecem a maior parte das calorias ao continente africano. Apesar de terem 60% das terras aráveis do planeta, perto de metade depende do trigo importado da Rússia e da Ucrânia, com cerca de 14 países africanos a receberem mais de metade do seu trigo vindo das duas nações em guerra.

A prolongar-se a guerra e o consequente aumento dos preços dos alimentos, agrava-se o risco de empurrar milhões de famílias africanas para a pobreza e desnutrição, sem falar nos conflitos sociais que daí poderão resultar. Portugal não tem muitos terrenos com aptidões agrícolas para a produções de cerais e outros grãos, mas de acordo com os especialistas, com uma estratégia e incentivos adequados é possível passar dos atuais 5% de aprovisionamento para cerca de 20% num horizonte de médio prazo.