Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com
Caríssimas Galinhas, estimadas irmãs,
 
Há algo de profundamente humano em vós. Não falo das asas, dos bicos ou da plumagem desajeitada. Falo daquilo que escapa à vista e que, no entanto, nos espelha: a inquietude, o medo do mundo, a obsessão com o chão e a incapacidade de levantar voo, mesmo tendo asas. Observar uma galinha é como observar um fragmento de nós mesmos em miniatura, grotescamente ampliado pela repetição. Vós ciscais o chão com urgência, como se ali estivesse escondido o sentido da vida. Não é assim também o humano, sempre a escavar o presente em busca de migalhas de futuro?
 
A galinha vive no agora, mas com uma ansiedade que parece sempre desconfiar que o agora é insuficiente. E quando uma galinha corre? Há nela uma pressa cega, um movimento sem direção precisa, como tantos de nós, apressados, no centro da cidade, fugindo de um tempo que nos devora por dentro. Ela corre não para chegar, mas porque parar seria admitir a fragilidade da sua existência. Do ponto de vista espiritual, a galinha é uma alma desprovida de ilusões de grandeza, resignada à terra, e ainda assim capaz de produzir, do calor do seu corpo, um ovo. O ovo é a sua oferenda à criação, o seu pequeno sacramento. Não é isso que buscamos também, nós humanos? Produzir algo: um poema, um filho, uma ideia, que nos realize e transcenda?
 
Mas o que mais me comove na galinha é a sua relação com o céu. Ela o contempla com olhos pequenos, sem nunca verdadeiramente alcançá-lo. Tem asas, mas não voa. Como nós. Temos alma, mas esquecemos isso e também o caminho. Temos ideais, mas rastejamos entre contas, horários, rotinas e vícios. Com olhos pequenos fitamos o céu. Talvez por isso a galinha seja motivo de riso para tantos. O riso nervoso de quem se reconhece. E talvez, se fôssemos mais honestos, aprenderíamos com ela a aceitar os nossos limites sem desistir de produzir calor, vida e sentido, mesmo dentro duma cerca.
 
As galinhas, tal como nós, assustam-se com qualquer sombra. Um movimento inesperado e todo o galinheiro entra em pânico. Correm, gritam, tentam voar. Depois, esquecem-se tão rápido quanto se alarmaram. Não somos parecidos? Mas, talvez a maior semelhança esteja na ilusão da liberdade. As galinhas acreditam, por vezes, que têm o mundo à sua disposição, até ao momento em que se apercebem da cerca. Tal como o ser humano, que se crê livre porque pode escolher e decidir, mas que continua preso a rotinas, padrões e algoritmos que o conhecem melhor do que ele próprio. E se um dia, num momento de silêncio interior, nos pusermos a escutar o seu cacarejar, talvez descubramos que ela não grita apenas por comida, mas por um Deus, um sentido, um céu possível, ainda que inalcançável. No fundo, assemelhamo-nos todos a galinhas com sonhos de águia. E está tudo bem. Desde que, de vez em quando, consigamos olhar para fora do galinheiro e perceber que o mundo é maior do que o nosso poleiro.