André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Desde o final dos anos 80 do século passado, o termo «globalização» entrou na linguagem diária dos economistas para enfatizar a sua dimensão económica. Muito rapidamente o conceito massificou-se, passando a fazer parte da linguagem corrente. A globalização ganhou novas dimensões, para além da economia: globalização cultural; globalização da comunicação; globalização ambiental; entre outras.  

Todavia, foram as cadeias globais de valor (CGV), a verdadeira essência da globalização. Significa que para uma parte significativa dos bens, serviços e equipamentos que utilizamos, como sejam o carro, o avião, o telemóvel ou o computador, a sua produção é fragmentada ao longo de uma cadeia de valor mais ou menos longa, em que diferentes países e economias se especializam e contribuem com diversas componentes que darão origem a um produto final.

Este processo permitiu que muitos países e economias que estavam arredados da economia internacional, viessem progressivamente a nela se inserir. Para isso muito contribuíram as deslocalizações de muitas multinacionais e grandes empresas americanas e, depois, pelas europeias e de outros desenvolvidos. Fizeram-no, num primeiro momento, para beneficiar dos salários baixos e, depois, também para usufruir da escala e poder de compra que esses mercados passaram a significar.   

Basicamente esse movimento de deslocalização de empresas industriais, sobretudo para a Ásia, e muito particularmente para a China, a partir dos anos 80 e 90, foi o responsável principal pela pujança económica atual desse continente, ao ponto de se poder dizer que a China se afirmou com a “grande fábrica do mundo da globalização”.

A China fez a sua curva de aprendizagem muito rapidamente, retirou cerca de 600 milhões de pessoas da pobreza, e hoje é o principal desafiante (challenger) daquela que é ainda a maior economia e potencia global, os Estados Unidos. 

Todo este processo que parecia imparável começou a ser curtocircuitado com a guerra comercial entre os EUA e China, iniciado com a Administração Trump, depois a COVID 19, e agora com a invasão da Ucrânia.  

O que têm em comum estes 3 episódios? Todos eles revelaram a existência de fortes fragilidades em relação a produtos e equipamentos críticos, fortemente dependentes de cadeias de abastecimento em geografias com riscos geopolíticos e económicos elevados e extremamente concentradas em poucos fornecedores: semicondutores (chips), ventiladores, máscaras, gás, entre muitíssimos outros. Significa, então, que a globalização vai acabar?

Porventura, vai-se entrar numa nova fase da globalização, em que também vamos ouvir falar de desglobalização. As cadeias de valor globais passarão a incorporar cada vez mais a dimensão “segurança económica e estratégica”, e muito particularmente as cadeias de abastecimento vão procurar uma maior diversificação. Serão, por exemplo, os casos em que autocracias possam ter poder de intimidação ou de dependência excessiva, como a Rússia com o gás, em que o objetivo deverá ser o de diversificarem as suas cadeias de abastecimento e investir em novas fontes de abastecimento, desde a energia até à electrónica.

Mas, isolando-se, as democracias ricas alienariam os países que não querem escolher um lado específico entre o Ocidente, a Rússia e a China, representando uma parte muito significativa da riqueza e da população mundial. Vamos certamente, caminhar para uma globalização com novas preocupações e uma gestão muito mais fina dos riscos geopolíticos e económicos, sobretudo nas cadeias de aprovisionamento, e onde os valores também contam.