No seu sermão, o pároco de Quarteira, padre Joaquim Campôa transmitiu as seguintes palavras:
«Já basta o luto que fizemos no dia em que os nossos entes queridos partiram para a casa do pai. O luto é um sinal e nós vamos perdendo esse sinal porque estamos a dar lugar a outras cores que não são o luto da nossa cultura. Isto não quer dizer que nós tenhamos que andar uma vida de luto mas que nós possamos manifestar, através do nosso luto, o amor pelos nossos entes queridos. Não quer dizer que, ao vestirmos outras cores, não possamos ter o mesmo sentimento. Mas a partida dos nossos entes queridos é um sinal de alguma tristeza interior porque, com a morte do ente querido, também morre alguma coisa dentro de nós mas temos que nos irmos recompondo e continuar a viver a nossa vida. Não deve ser um dia de nós derramarmos muitas lágrimas. Já o fizemos no dia em que sentimos essa partida. Agora, tem de haver mais alguma coisa que nos console a alma e que possa evitar de derramarmos lágrimas pelo acontecimento. Isto não quer dizer que a saudade e a ausência daquele ou daquela que partiu não faça parte da nossa vida. Deve ser um dia de comunhão. Quer isto dizer que nós devemos estar em comunhão uns com os outros mas também não deixarmos de estar em comunhão com os santos. Ontem celebrámos o Dia de Todos os Santos e, por isso, esta comunhão de estar em comunhão com aqueles que nos antecederam. Com aqueles que partiram. Com aqueles dos quais ainda temos saudades mas o nosso coração está em comunhão porque algo ficou dentro do nosso coração. Ou seja, eles continuam vivos dentro do coração de cada um de nós. Deve ser um dia de oração intensa pelos nossos e por aqueles que não têm quem reze por eles. Também precisam e a igreja convida-nos a rezarmos pelos defuntos. – Ah mas morreram. De que adianta agora as nossas orações? São muito importantes. A palavra de Deus indica-nos que devemos fazer orações por aqueles que já partiram. E o fazer oração, se rezamos ao Senhor, estamos em comunhão com o Senhor. Mas se rezamos com intenção daquele ou daquela que partiu, também estamos em comunhão e estamos em diálogo com eles e, possivelmente, poderá precisar da nossa oração. Mas lembrar também todos aqueles pelos quais ninguém reza. Estão esquecidos. Deve ser um dia de esperança. Esperança porque nós, os cristãos, não podemos dizer que a morte levou tudo, que a morte é o fim e que aqui no cemitério, quando vamos sepultar alguém, é alívio. É no fundo de uma cova ou de uma tumba que tudo terminou. Não é essa a nossa fé. Acreditamos na Ressurreição de Jesus Cristo. Ele diz-nos que, um dia, nós havemos de ressuscitar com Ele. Ainda hoje uma senhora me interrogava: – Eu leio na Bíblia que o Senhor diz que havemos de ressuscitar com Ele mas eu ainda não vi o meu pai e a minha mãe ressuscitarem.
Cada um tem a sua maneira de pensar e de ver as coisas e disse-lhe: – Um dia, se o Senhor diz, todos nós havemos de ressuscitar com Ele mas a ressurreição do seu pai e da sua mãe será também quando a senhora partir deste mundo e se encontrar na vida eterna, ressuscitada com eles.
Então, tem de ser um dia de gratidão. E esta gratidão parte do quê? Parte daquilo a que devemos estar muito gratos. Por aqueles que fizeram parte da nossa família, da nossa casa, daqueles que viveram connosco e esta gratidão vai no sentido de darmos graças ao Senhor pelo pai, pela mãe, pelo irmão, pelo filho que me deste. Estou grato por isso e, por isso, este também é um dia de gratidão. Obrigado pela esposa, pelo marido que me deste para viver comigo, mesmo com algumas tribulações e dificuldades mas foi assim. Um dia de meditação. Nós meditamos muito pouco no mistério da vida e da morte. Somos capazes de pensar no mistério da vida. Gostamos muito de vier. E porque não pensarmos também no mistério da morte? Então, é também um dia de meditação para nós. Quando vamos à campa dos nossos entes queridos, vamos porque ali gostamos de estar, porque nos sentimos reconfortados mas devemos meditar também: Um dia estarei eu aqui porque a minha vida é esta. Eu tenho esta vida e graças a Deus que a tenho e gosto de vivê-la mas também sei que um dia ela se transformará e eu tenho de pensar também no mistério da morte.
É um dia de conversão porque nós também temos que pensar que a nossa vida não passa só pelos bens terrenos que vamos adquirindo. Pelas coisas que vamos acumulando. Pelos bens que vamos possuindo. Mas temos que pensar que essa não é a maior riqueza que temos de levar connosco para Deus. Esses ficam todos cá. E para quem será? Pois não sei. Será para discórdia? Será para conflitos? É preciso pensarmos também nisto porque nós vamo-nos agarrando muito aos bens terrenos e vamos vivendo com esses bens e às vezes nem vamos vivendo com eles. Para deixar para quem? Então, um dia, também de conversão interior, para que possamos despojar-nos mais daquilo que são os bens adquiridos, as riquezas adquiridas. Um dia de caridade. E nós não pensamos muito nesta caridade. E aqui atrevo-me a dizer: É bonito entrarmos no nosso cemitério e vermos o cemitério como nunca esteve. Só está assim no dia dos fiéis defuntos. Os nossos mortos não precisam só de flores num dia. Elas todas vão morrer. Todas vão desaparecer. Então, quando vivemos este dia de caridade, não vale a pena, caríssimos irmãos. Mais forte é a nossa oração. Mais forte será a nossa esmola a um pobre. Antigamente o que faziam? Vestiam alguém com a roupa que o defunto tinha deixado com caridade a um pobre. Esses pobres já não existem? Existem sim. Dávamos a esmola para sufragar a alma do defunto. Éramos caridosos. Gastamos dinheiro em flores, que morrem, murcham, que acabam. É preciso pensarmos também nisto.
É um dia de aceitação da nossa morte. Aceitarmos, caríssimos irmãos. Nós pensamos muito pouco nisso e quando pensamos na morte, desviamos imediatamente o nosso pensamento. Não queremos isso. A morte é um horror. Arrebata-nos a vida. Tira-nos tudo. É preciso penar também como é que nós aceitamos a nossa morte. Não temos aqui morada permanente. Temos de passar por esta transformação e isso tem de ir entrando na nossa cabeça para podermos aceitar sem revolta porque isso faz parte integrante da nossa vida. É precisão também que nós tenhamos bem presente: Vão morrendo aqueles que tanto nos ensinaram. Vão morrendo aqueles que tantos valores incutiram em nós. Vão morrendo aqueles que criaram e formaram sociedades justas e humanas. Vão morrendo aqueles que nos ensinaram a rezar, que nos ensinaram os bons ensinamentos, aquilo que nós aprendemos com eles e eles vão morrendo. Mas estamos nós para dar continuidade aos valores que nos foram transmitidos. Para darmos continuidade àquilo que aprendemos com os nossos pais e com os nossos avós. Isto é preciso, meus caríssimos irmãos. Por isso, este é um dia de oração e silêncio para meditarmos nestas coisas da nossa vida. Para pensamos nisso também.
Tivemos aqui duas leituras e o fim da segunda dizia assim: – Se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, nós recebemos no céu uma habitação eterna. E aponta aqui a fragilidade da nossa vida. Uma tenda é frágil. Desaparece com facilidade mas, mesmo que se destrua e desapareça, sei que vou ter outra habitação, não é uma tenda, vou morar numa habitação eterna, para a vida eterna. Junto do Senhor. Confrontando do Senhor. Diante do rosto do Senhor.
E são esses que, diante do Senhor, se encontrarão um dia ou que já se encontraram e aonde também nós nos havemos de encontrar um dia.
Pois, caríssimos irmãos, tenham presente este dia como um dia de oração, também como um dia de romagem ao cemitério, sim, mas também de podermos olhar – e digo isto todos os anos – para as campas ornamentadas e não olharmos para aquelas que nem sequer uma flor têm em cima. E o melhor gesto que podíamos ter era tirarmos uma flor da jarra do nosso pai ou da nossa mãe e pormos naquela que está ao lado e que não tem nem sequer uma flor, uma vela. Estes são gestos de cristãos. Não olhemos só para aquilo que é nosso e que fica pomposo e bonito. As nossas orações e os nossos gestos devem também ser por aqueles que não têm ninguém que reze por eles e que muitas vezes não têm ninguém que lhes venha colocar nem que seja uma simples roa em cima da sua sepultura. São gestos que devemos ter em conta e devemos pedir ao Senhor que nos ajude a viver este dia. E ainda vamos tendo algumas dificuldades porque não acreditamos na ressurreição. Se Jesus ressuscitou, nós haveremos de ressuscitar com ele. Temos de ter confiança na ressurreição. Que aqueles que partiram vão voltar a viver. Nós também iremos ter vida eterna na companhia do Senhor e de Jesus. É essa a nossa esperança e a nossa confiança”.
A terminar, o padre Joaquim Campôa acendeu “uma vela que vai ficar na capela do cemitério para simbolizar a Luz de Cristo”.
Uma iniciativa que contou com o apoio da Junta de Freguesia de Quarteira.
Dia dos Fiéis Defuntos, Dia de Finados ou Dia dos Mortos é uma data que a Igreja Católica dedica aos mortos e suas almas, no dia 2 de novembro de cada ano.
Jorge Matos Dias