REPLANTAR A FLORESTA AUTÓCTONE JÁ – PARA DOMESTICAR OS FOGOS ATÉ 2050

Quando ainda estamos a contabilizar os milhares de hectares ardidos, mas cientes de que o presente ano será um dos piores de que há memória, a Aliança pela Floresta Autóctone – um movimento de largo espectro, fundado e em ação desde 2017,
formado por cidadãos, investigadores, ambientalistas, associações e coletivos de diversa índole – vem, novamente, chamar a atenção das autoridades e da sociedade civil para a necessidade e urgência de um pacto nacional para as áreas florestais.
Enquanto este comunicado estava a tomar forma, o governo anunciou um pacto pela floresta a 25 anos, ou seja, até 2050, tal como a Aliança pela Floresta Autóctone estava a propor. A nossa posição, no entanto, é bem explícita sobre o que o governo parece ainda não ter pensado, ou seja, o papel positivo das autóctones e negativo de certas pirófilas (amigas do fogo), como o eucalipto e o pinheiro-bravo. Tal posição tem em conta sobretudo os seguintes aspetos:
1 – Grande parte do país, sobretudo as regiões mais atingidas, sentem-se tomadas pelo desespero, e com toda a razão. Há quem aponte como solução que se prendam mais incendiários. Certamente que há incendiários, e por isso existe uma dimensão judicial associada. Mas não são os incendiários que explicam a dimensão, a severidade e a gravidade dos incêndios a que temos assistido, nomeadamente nos últimos anos. A causa profunda desses incêndios não vai a tribunal nem irá para a cadeia, pois reside no caos do coberto arbóreo que se instalou no país ao longo já de muitas décadas. Mas, acima de tudo, há que responsabilizar os que lucram com este caos e os diversos governos que nada de fundamental fizeram para reverter este cenário, ou que continuam a pactuar com políticas de proliferação de vastas áreas de espécies como o eucalipto e o pinheiro-bravo. Ainda a referir que, a gestão dos espaços florestais por entidades sem vocação para o fazer, como as autarquias, recorrendo frequentemente a práticas de corte raso, sem acompanhamento posterior, leva à proliferação de espécies exóticas oportunistas que se espalham rapidamente e que são muitíssimo inflamáveis, como é o caso das acácias.
2 – O caos atrás referido revela um outro aspeto essencial quando se sobrepõem os mapas da maior gravidade dos incêndios no país e o mapa do chamado interior, caracterizado pela sua baixa densidade populacional. Atendendo à coincidência destes dois mapas, precisamos de um modelo de gestão racional dos recursos, que faça convergir: a alteração das espécies arbóreas mais problemáticas em relação ao fogo por espécies autóctones, a promoção de áreas destinadas à agricultura de elevado valor alimentar e ambiental e o incentivo da pastorícia como forma de controlo natural da vegetação. Desta maneira, se formam ou reconstituem ecossistemas autóctones e biodiversos, num mosaico que interrompa e introduza a descontinuidade da matéria vegetal facilmente inflamável. Se assim não for, a gravidade dos incêndios manter-se-á mesmo que se prendam muitos incendiários.
3 – Para isso, é preciso, a curto, médio e a longo prazo, incentivar e apoiar decididamente a retirada de manchas arbóreas de espécies pirófilas atrás referenciadas, e plantar aí, gradual e progressivamente, segundo um plano cuidadoso e persistente, árvores autóctones,
fundamentalmente carvalhos, azinheiras e sobreiros e espécies associadas. É necessário criar ou recriar economias em conexão com estas florestas de Quercus, que podem ser complementadas com outras espécies, como a nogueira e o castanheiro.
4 – As áreas ocupadas por espécies pirófilas, como o eucalipto e o pinheiro-bravo, devem diminuir de dimensão e ficar sujeitas a regras exigentes de ordenamento da paisagem e a taxas ambientais adequadas, dando lugar a vastas áreas envolventes de descontinuidade de matéria vegetal inflamável.
5 – Numa fase de transição, e no que se refere ao combate aos incêndios e uso dos respetivos meios, cuja expressão atual deveria ser vista como exceção, será ainda necessário agir de forma que as autoridades, de modo coordenado e eficiente, apostem, com continuidade e persistência, nas ações apontadas nos quatro primeiros pontos. Tal permitirá uma progressiva diminuição do papel do combate e respetivos meios, em vez de uma escalada em crescendo, que hoje predomina. Deve privilegiar-se a prevenção, o que irá naturalmente diminuir a fatura do combate e o perigo associado aos grandes incêndios florestais (de modo equívoco, e desde há poucos anos, também chamados de incêndios rurais).
Uma coisa é certa, embora não seja a primeira vez que tal se verifica, os incêndios deste ano mostraram a importância das folhosas autóctones, como os carvalhos, como espécies mais resistentes ao fogo. A aldeia de Cerdeira, na Lousã, sobreviveu devido à presença destas folhosas, fruto de um esforço coletivo já com 25 anos de existência, enquanto, na sua envolvente, as monoculturas ardiam com imensa intensidade. O mesmo se passou na Mata da Margaraça, uma relíquia florestal, se bem que se encontre cada vez mais ameaçada pelo mar da monocultura circundante. O que evidencia que é possível e é necessário preparar um território mais resistente e resiliente aos fogos e ao mesmo tempo capaz de mitigar as alterações climáticas e a perda da biodiversidade. Precisamos de reintroduzir o equilíbrio ao sistema altamente alterado e desajustado às condições do território, que por esse facto se auto-consome periodicamente.
Sobretudo, é um imperativo ético diminuir o risco associado aos fogos, que consomem vidas humanas, recursos e infraestruturas, e uma imensidão de vidas não humanas e de ecossistemas, também eles de valor incalculável, não só instrumental, mas também intrínseco.
A Aliança pela Floresta Autóctone reafirma a urgência de envolver toda a sociedade neste pacto pelas áreas florestais.
A equipa coordenadora Aliança pela Floresta autóctone,
Ana Coutinho
Joana Campos
Jorge Moreira
José Carlos C. Marques
Marta Mota
Por: Campo Aberto - Associação de Defesa do Ambiente