por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

Em Dezembro último, em Sacavém, um homem armado de uma caçadeira disparou vários tiros sobre a mulher, matando-a. De seguida, fez explodir o cadáver, antes de o próprio se suicidar.

Já em Janeiro deste ano, uma professora de Porto Santo foi degolada até à morte pelo ex-companheiro, após um longo historial de violência doméstica.

Num contexto mais pessoal, uma amiga minha, há uns anos atrás, foi vítima de tentativa de violação quando regressava a casa. Depois de manietada, foi levada para um descampado e empurrada contra uma árvore, levando nos dentes ao escapar o sangue das mãos do agressor e tiras de pele nas unhas. Na esquadra, onde foi atendida por uns agentes sisudos e pouco dados ao expediente, recebeu, entre doses iguais de cinismo, reprovação e não menos desdém, o astuto conselho de “não sair de casa à noite”.

Casos destes – o que os rodeia – repetem-se infinitamente. Mais do que escalpelizar as acções, importa perceber a raiz das mesmas.

Para o homem, a mulher simboliza, primeiramente, o sublime e, mais tarde, a noção das suas próprias limitações. O que o homem não pode concretizar por meios próprios, transfere para a figura da mulher, e assim esta adquire o significado místico que perdura até aos dias de hoje. O ascendente sobre esta ‘fantasia tangível’ torna-se, portanto, de vital importância.

Através da ameaça, do assédio, do mero piropo, o homem crê repor uma ordem perdida e, de certo modo, o controlo sobre o próprio destino. Em tempos, essa relação de forças assentava numa estrutura tradicional de família. Com essa base erodida, o homem passou a centrar as suas fantasias na ‘punição’ da mulher, numa versão corporativa das purgas medievais de bruxas.

Segundo dados da APAV, em 2014 registaram-se cerca de 780 casos de crimes sexuais, entre violações, stalking, assédio, etc, sendo 92,2% das vítimas de violação do sexo feminino. Já segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, os crimes registados de violência doméstica ascendem aos 27317! As alegações de civismo com que a intelligentsia adjectiva esta era são manifestamente exageradas.

Nesse sentido, a juíza do caso Carrilho surge como o pior pesadelo para as mulheres do país. É um póster da ascensão feminista pós-Guerra, enfiada numa toga de ligas, para fazer poses de judicialismo picante no balneário dos rapazes.