Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com
Caríssimos Cordeiros, estimados irmãos,
Ao ver-vos a pastar na vastidão dos campos, onde a brisa desliza suave sobre a relva verde, trago aos meus olhos os vossos olhos límpidos, a vossa postura dócil e a lã macia como nuvens a traduzir uma essência de paz, de pureza e entrega. Desde os tempos antigos, tendes sido um ícone da humildade e da mansidão. Na tradição cristã, personificais a inocência e o sacrifício, sendo um símbolo associado a Jesus, o Cristo, o "Cordeiro de Deus", que se entregou sem resistência à morte por amor ensinando-nos que só o amor é caminho para uma vida plena e feliz. Na poesia e na literatura, evocais a fragilidade e a serenidade diante do mundo turbulento.
 
Em muitas culturas, representais a bondade que não se impõe pela força, mas pela suavidade do ser. É curioso notar como numa sociedade que frequentemente valoriza a força e a imposição, a vossa figura nos convida a refletir sobre outro tipo de grandeza: a que reside na humildade, na calma, na aceitação e na confiança. Enquanto o lobo ruge e o leão impõe, vós simplesmente existis, sem disputas ou alardes, e ainda assim, marcais profundamente os que vos observam. Há quem veja na vossa mansidão um sinal de fraqueza, mas talvez seja justamente o contrário. Ser manso não é ser passivo, mas ter a coragem de não revidar com ferocidade, de enfrentar as adversidades sem endurecer o coração. Caminhais pelo mundo sem pretensão de dominá-lo, e talvez resida aí o vosso maior poder: a capacidade de transformar sem violência, de conquistar sem ferir. Assim, entre a agitação das cidades e a pressa dos dias, vale a pena lembrar-vos. Por isso vos escrevo. Vós nos ensinais que a verdadeira força pode estar na serenidade, e que há beleza na simplicidade de ser quem somos, sem a necessidade de rugidos ou presas afiadas.
 
Afinal, é na quietude que se encontra a paz e na mansidão que se revela a verdadeira grandeza. Mas também é verdade, que há cordeiros que desde pequenos, vivem apenas como lhes ensinaram: a andar em fila, a manter a cabeça baixa e a acreditar que a cerca é o limite do mundo. Do outro lado parece existir apenas o desconhecido. E o desconhecido devora. Muitos cordeiros assim acreditam. Aprendem a obedecer às vozes que os guiam e a encontrar segurança no rebanho. Acostumaram-se às vozes dos pastores que com seu olhar brando e sua voz mansa, escolhem sempre alguns para levá-los consigo, sabendo que, depois, ninguém volta. Para os que ficam parece bastar saber que foi assim que as coisas sempre foram. Irão para um lugar melhor, acreditam. Lembro um de vós que não se convenceu. Certa noite, ele pulou a cerca.
 
No começo, sentiu medo. Seus cascos tocavam a terra sem o conforto da presença dos outros. Mas, à medida que caminhava, descobriu que o mundo era maior do que lhe disseram. E então ele viu. Viu os ossos espalhados, os restos daqueles que tinham partido com os pastores. Entendeu, enfim, o ciclo silencioso em que o rebanho estava preso. Os pastores, afinal, não salvavam. Existiam pastores predadores. Assustado, o cordeiro voltou correndo para avisar os outros. Mas quando tentou falar, ninguém o ouviu. Os mais velhos abaixaram a cabeça. Os mais novos riram, chamando-o de louco. E quando, na manhã seguinte, vieram escolher mais alguns, o cordeiro inquieto foi o primeiro a ser levado. Os que ficaram apenas balançaram a cabeça. “É assim que sempre foi”, murmuraram, e seguiram pastando. A que rebanho de cordeiros pertencemos?