por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

1)         Já não deve andar longe o dia em que os portugueses serão chamados a votar num referendo à eutanásia. Então, passada a luta que se prevê titânica entre os mais acirrados esbirros de cada lado da contenda; varridas a prédica sacra da Igreja, que jurará a pés juntos que tudo o que é vontade, pio e suspiro a Deus pertence, e a verborreia da frente eco-anarquista que, saída do piquete anti-taurino às 18h, ainda chegará ao Prós e Contras a tempo de prometer cicuta aos enfermos, ficará o caminho aberto para reflectirmos realmente sobre a vida tal como ela é.

A minha posição sobre a matéria é clara: sou a favor. Não concebo qualquer razão maior para que se prolongue desnecessariamente a agonia de pacientes terminais, ou que se obriguem a permanecer no espectáculo da existência pessoas cujas vidas decorram num insuportável calvário de dor ou total ausência de qualidade de vida. Se for essa a sua vontade, voto para que possam ter uma morte condigna, não no chão de uma despensa, mas em quarto arejado por ciência e lei.

Isso não implica que, depois, o percurso legislativo da eutanásia não incorra em vários perigos e distorções. Na epopeia “Odisseia”, de Homero, Ulisses não é “o bárbaro” ou o “o conquistador”, mas sim “o prudente” que derrota a bravata pela sensatez. Entenda-se que, na Bélgica, onde esta lei atinge a sua liberalidade máxima, até a eutanásia por motivos de doença psicológica é permitida, validada por um conselho de médicos onde não entram – pasmem-se – profissionais da saúde mental.

Por cá, entalada entre o pátrio conservadorismo moral e um regime de afectos amplamente mais rico, que a lei da eutanásia não seja coutada para um corporativismo de classe que adjudique mortes mais depressa do que as câmaras adjudicam mamarrachos à beira-mar. Sobretudo, que em circunstância alguma sirva de dispensa à prioridade maior de curas, tratamentos e cuidados.

 

2)         No caso Maria Luís Albuquerque nada de novo. Igual a si mesma, a esquerda radical aborda o assunto à pedrada e, uma vez provada a legalidade de tudo, abandona sorrateiramente o local, deixando o PS a apanhar os calhaus. Ainda assim, é boa a notícia de que o governo pretende alterar a lei das incompatibilidades em cargos políticos. Já não era sem tempo. E como é fundamental a credibilização da Assembleia da República!