por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

É sabido que as claques de clubes têm alguns elementos pouco recomendáveis. Não são fáceis de controlar. Mas que as polícias deste país sofrem há muito de um síndrome de matilha que se manifesta em sessões de marrada espontâneas é um facto inegável. (Disso fui testemunha, em diferentes ocasiões, quando dos próprios vi partirem provocações e uma agressividade injustificada.)

Na bonita peça cinematográfica que uma conhecida claque expôs na semana passada, vêem-se uns 20 meliantes disfarçados de polícias a agredirem bárbara e indiscriminadamente 3 adeptos do Sporting indefesos. Tanto quanto se pode concluir, o único crime destes foi usar o veículo de comunicação que é a voz e, quiçá, uma gesticulação pouco graciosa.

É imperceptível pelas imagens se são bonitos ou feios, se têm bom ou mau hálito, se falam alto ou baixo. Mas o que se percebe nitidamente é que em momento algum ameaçam a integridade física dos agentes, que por sinal são numerosos, corpulentos e estão bem armados.

O que fica é cada vez mais a noção de que existem muitos agentes que, privados de farda e crachá, facilmente passariam por bandidos e hooligans. Para estes, “autoridade” é um conceito que se confunde com repressão. Nisto, dificultam a vida por igual a cidadãos e colegas. E o que fica é a nítida sensação de que a má formação é um defeito enraizado nas esquadras, talvez um resquício de adolescência que a dada altura do ‘piquenique’ instiga ao bastão os vapores da testosterona, o qual, extensão natural do preconceito, apenas sabe acometer num sentido: a direito.

O argumento da “profissão de risco” não colhe simpatia perante imagens tão desgraçadas. Após o caso do adepto do Benfica brutalmente espancado à frente da família, o milagre do vídeo presenteia-nos com nova visão sobre a filosofia de gulag que impera nas forças de intervenção.

Seria prudente que, em vez de jogos florais nas escadarias da Assembleia, dedicassem mais tempo à erradicação de comportamentos nocivos. Função basilar para o bom funcionamento da sociedade, seria importante que a prioridade fosse fomentar uma relação de mútuo respeito com as pessoas. Tudo ficaria muito mais fácil. E nem assim lhes faltariam oportunidades de exercitarem o direito à cacetada.

Neste caso, fica minado de vez qualquer contraditório policial. E não condenar isto – por anemia crítica ou cegueira – é validar a implosão da democracia.