por Luís Pina | aragaopina59@gmail.com

O olhar, vago, perde-se no horizonte das memórias. A mão, enrugada e já trémula pela idade, segura um “tinto” de duvidosa qualidade mas ideal como aperitivo para o almoço. Já vão sendo horas e a conversa, invariavelmente, vai para o tempo, generoso pelo sol Algarve mas longe dos tempos em que havia outono e primavera! Na veia poética camoniana “mudam-se os tempos e mudam-se as vontades” que têm, inexoravelmente, moldado a paisagem do litoral à serra, entrecortada por um barrocal desenhado de verde, outrora muito mais povoada, cultivada e cuidada nos afazeres rotineiros das terras.

Pelas eiras, clareiras e pátios, depois das ceifas e colheitas, “a família” ajuntava-se nas quentes noites e era uma beleza: sob o luar ou o reluzir das estrelas, mulheres e homens punham a conversa em dia, acompanhados pelo murmúrio de ribeiras vivas, de grilos, rãs, cigarras e pássaros noctívagos. A caça era abundante e os incêndios raros! Mestre Brito divaga, nesses tempos em que era caçador ativo, partilhando com outros companheiros a paixão e segredos inimagináveis desta milenar atividade de desafio e convívio. “Depois”, recorda, “ele há caçadores e caçadores. Uns havia que nem davam conta da arma, nem da noção que os bichos também vã acabando se a gente nã os respetar e dexar crescer”!

O pensamento e a nostalgia de mestre Brito voltam ao campo onde, “em certa altura, aparecera por aqueles valados uma perdiz branca. Toda branca! Ora, nã se dá notiça de uma perdiz assim. Nã dá… Pois aqueles maganos, enquanto nã mataram o bichinho, nã descansaram”, desabafou. E quantos e quantos outros espécimes não ficaram, na voraz insensatez e ganância de muitos, nos limiares de uma extinção anunciada e confirmada, que nem as reservas ou coutadas instituídas, nem mesmo a força regeneradora da natureza lograram evitar. Mestre Brito volta à realidade atual e ao recato da nossa mesa de conversa. A vida é feita destas coisas e o tempo “nã pára”. Todas as redes sociais se fizessem destes encontros e conversas espontâneas! Teriam certamente outro sabor e até outros resultados. Mestre Brito pousa o cálice já esgotado de seu indispensável “digestivo” e despede-se com um aceno. Está na hora do almoço…