MARCA D ÁGUA | por José Carlos Barros

O GOVERNO ANUNCIOU ao País o desígnio político de «descentralizar» e explicou (pelas palavras do sr. Ministro Adjunto, Eduardo Cabrita) que a opção «funda as bases da reforma e transformação no modelo de funcionamento do Estado». O processo é ambicioso – e visa não menos do que o «equilíbrio e justiça territoriais».

Há, no entanto, um problema nas proclamações: o de saber como se corporizam…

E esta corporiza-se assim: ampliando a voz de quem a já tem…


Acentuando assimetrias.


Desequilibrando em vez de equilibrar.


Desagregando em vez de dar coesão territorial.

 

PORQUE O QUE ESTA REFORMA CONSIDERA, no essencial, é:

a) o reforço da legitimidade democrática e das competências das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto – o que desde logo decorre de a reforma considerar a eleição por voto direto dos Presidentes e respetivos órgãos;

b) enquanto que nos territórios das Comunidades Intermunicipais (como é o caso do Algarve) se prevê essa coisa etérea a que o Governo dá o nome de «reforço da cooperação entre os municípios»…

 

ESTA REFORMA, traduzindo em miúdos, prevê uma espécie de Regionalização – com a diferença de que, ao contrário de outros mapas antigos, agora o mapa da Regionalização só tem duas Regiões: Lisboa e Porto.

E, portanto, enquanto em Lisboa e no Porto se preveem, já em 2017, eleições da Presidência e dos órgãos metropolitanos, com tudo muito democraticamente legitimado – no restante do território nacional, Algarve incluído, «reforça-se a cooperação intermunicipal»…

Mosaicos a um lado, rodapés ao outro: eleições diretas se for AM, reforço de cooperação se for CIM…

 

OBVIAMENTE QUE O ALGARVE não aceita mais esta despromoção e não acede ficar do lado dos que pagam a conta numa reforma que coloca as várias zonas do País em patamares diferentes de igualdade e de capacidade de reivindicação e intervenção política.

Isso mesmo, em audição regimental na Assembleia da República, disse recentemente ao sr. Ministro Adjunto – insistindo em que estamos na presença de:

a) uma contraditória descentralização que afinal centraliza – desde logo ao considerar a legitimação democrática que decorre de eleição por voto direto nas áreas metropolitanas;

b) um processo de suposta coesão territorial que afinal desagrega – no entendimento de que o que é mau para o conjunto do País não pode ser bom para nenhuma das partes;

c) uma presuntiva justiça territorial que afinal cava mais fundo e mais largo o fosso das assimetrias.

 

José Carlos Barros é deputado à Assembleia da República eleito pelo Algarve (PSD)